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Edição Março / Abril 2000 - Conselho Regional de Química - IV Região

Edição Março / Abril 2000 

 


Glicenina: uma nova droga para combater a tuberculose
por Eduardo Peixoto
Introdução

Hoje, há cada 10 segundos, alguma pessoa, em algum lugar da Terra, morre de uma velha doença que há anos deixou de atrair a atenção das autoridades de saúde pública. Esta doença é a tuberculose. Na década de 50, com o advento do uso de antibióticos, acreditava-se que esta doença seria eliminada rapidamente. No entanto, passados tantos anos, a Micobactéria tuberculosis, microorganismo causador desta doença em seres humanos, tem demonstrado que as coisas não foram como se esperava.

A tuberculose continua sendo um sério problema de saúde pública e por esta razão a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a trata-la como emergência pública global. Só no Brasil, cerca de 80.000 novos casos são notificados oficialmente a cada ano.
 
Algumas Origens e Características dos Surtos

 Os sistemas de saúde montados para cuidarem da tuberculose foram lentamente se deteriorando ao longo dos anos. Mas o aumento dos casos levou vários governos a investir na montagem de novas estruturas para lidar com o surto mundial da doença.

Nos EUA, uma epidemia de tuberculose na cidade de Nova York culminou com 4.000 casos, entre 1991 e 1994. Com um investimento de 1 bilhão de dólares para reconstruir a infra-estrutura desmontada, o surto foi controlado, segundo o Tuberculosis Center. Parte destes recursos foram para a construção de quartos com pressão negativa nas cadeias públicas para isolar pessoas doentes. Assim como em N.York, na Rússia muitos dos surtos originaram-se nas cadeias. Investiu-se muito também na terapia, isto é, na estratégia de se observar diariamente se os pacientes estavam tomando as doses corretas de medicamentos. Esta estratégia é adotada pela OMS em 102 países.

Mas por que os surtos de tuberculose ocorrem e quanto de fato conhecemos desta doença? Hoje em dia, felizmente, dispomos de técnicas mais sofisticadas que podem ser usadas para melhor compreender o comportamento da doença. Assim, por exemplo, contamos com a chamada epidemiologia molecular; isto é, a análise do DNA da bactéria pode dar muitas informações valiosas. Por exemplo, havia a crença de que a maioria dos casos de nos EUA era devido à reativação da infecção latente, hipótese hoje questionada.

Entre as pessoas infectadas com M. tuberculosis somente cerca de 5% desenvolverão a doença. Perto de 90% nunca terão tuberculose, enquadrando-se no que convencionou-se chamar de portadores de tuberculose latente. Mas também existem os casos onde ocorre a reativação da tuberculose, que correspondem a 5% do total. São situações em que a doença se manifesta algumas décadas depois da infecção ter ocorrido.

Analises do DNA de bactérias de tuberculosos em São Francisco, nos EUA, indicaram que aproximadamente 30% dos casos eram de doença transmitida recentemente. Mesmo índice foi confirmado em Baltimore, nos EUA.

Tais resultados indicaram a necessidade de que fosse estabelecida uma nova linha de combate à doença: a de ser buscada e interrompida a cadeia de transmissão, pois até então pensava-se que a maioria dos casos de tuberculose reativada só estava ocorrendo em pessoas que haviam ficado doentes muitos anos antes da segunda manifestação.

A análise do DNA tem sido útil também para uma maior compreensão da especial susceptibilidade dos portadores de HIV à tuberculose. Nesses pacientes, os surtos da doença são originários de uma cepa que apresenta resistência a muitas drogas (MDR). A cepa W, por exemplo, resiste não só às drogas de primeira-linha, tais como a Isoniazida, Etambutol, Pirazinamida e Rifampicina, como também uma das de segunda-linha, como a Kanamicina. As drogas de segunda-linha são muito mais tóxicas, o que contribui ainda mais para o insucesso do tratamento em pacientes aidéticos.

Os estudos indicam que outras cepas MDR existem ou surgirão e, cedo ou tarde, veremos casos de todas elas espalhados por toda parte, seguindo um padrão de deslocamento dos povos.

Os cientistas concordam que a doença precisa ser melhor conhecida e que há a necessidade urgente de desenvolvermos novas terapias para enfrentar a doença. A sua erradicação dependerá do desenvolvimento de novas vacinas e descobrir novas drogas.
 
M tuberculosis: um complexo ser químico

 Se permaneceu esquecida durante um tempo, hoje a tuberculose é provavelmente a área de pesquisa mais ativa dinâmica entre as doenças infecciosas. Em 1998, somente o National Institute of Health investiu US$ 60 milhões em pesquisa nesta área. Neste mesmo ano, com o seqüenciamento completo do genoma da M. tuberculosis (Nature, 393, 537(1998)), os pesquisadores passaram a contar com informações que, pouco a pouco, vem nos permitindo entender melhor a química dessa bactéria.

Diferente de outros agentes causadores de infecções, a M. tuberculosis não produz uma substância química que age como uma toxina comum. É a sua estratégia de sobrevivência no hospedeiro que a torna especial. Ou melhor, as suas características biológicas aliadas a uma inusitada habilidade química. Seu ciclo de crescimento é lento, dividindo-se a cada 24h. Outras bactérias, como por exemplo, a E.coli, dividem-se a cada 20 min.

Além do mais, a natureza química do seu complexo invólucro e sua capacidade de manter-se quase inativa por décadas para depois se reativar dificultam o diagnóstico, o tratamento, e o ritmo das pesquisas. Os genes da M. tuberculosis indicam que ela pode sobreviver anaerobicamente (sem, ou com pouco oxigênio), mas mesmo assim, os pesquisadores fazem seu cultivo no laboratório em condições aeróbicas, apesar de haver muitas sugestões na literatura passada de que as condições artificiais de crescimento das bactérias em laboratório têm pouco a ver com o que ocorre no ser vivo infectado pela M tuberculosis.
 
Uma luta de alta tecnologia: Química ´ M.tuberculosis

 As micobactérias pertencem a um tipo de microorganismo em forma de bastonetes da família Mycobacteraceae. Entre as espécies mais importantes delas está a Micobacteria tuberculosis, causadora da tuberculose humana e a M. bovis, responsável pela tuberculose no gado e em seres humanos.

A tuberculose, já tendo sido considerada uma doença pouco comum, voltou nas últimas décadas a ocupar um papel de destaque entre as principais doenças infecto-contagiosas. Para que isto acontecesse, muitos foram os fatores; entre estes, o aparecimento de cepas de bacilos resistentes às drogas conhecidas, cada vez mais comuns e de forma alarmante.

O primeiro antibiótico ao que o homem teve acesso foi a Penicilina, descoberta em 1928 por Alexander Fleming numa cultura do fungo Penicillium (um tipo de mofo de cor verde). Este antibiótico só foi isolado em forma pura em 1930 por H.Florey e E. Chain. Onze anos depois, em 1941, aparecia no mercado a sua primeira forma injetável para uso terapêutico. Da descoberta ao uso prático passaram-se 13 anos. Mas apesar de ser um medicamento eficiente contra várias doenças importantíssimas, mostrou-se curiosamente ineficaz contra a tuberculose.

Quinze anos após a pioneira descoberta de Fleming, Selman Waksman descobriu a estreptomicina, que passou a ser o primeiro agente antimicrobiano descoberto após a Penicilina. Desta vez a ciência havia chegado à uma substância química eficaz não só contra muitas doenças até então incuráveis, como também, ao primeiro antibiótico eficaz contra a tuberculose. À semelhança da penicilina, a estreptomicina é produzida por um microorganismo: a bactéria conhecida como Streptomyces griseus.

Posteriormente, várias outras drogas passaram a ser usadas no tratamento da tuberculose: a Isoniazida, o ácido p-aminosalicílico (PAS), o etambutol, a pirazinamida, etc. Em maior ou menor grau, estas drogas têm sido usadas hoje em dia, junto com antibióticos. Entre estes últimos está o antibiótico conhecido como Rifampicina.

Esse arsenal de drogas e antibióticos, porém, não tem conseguido evitar o crescimento alarmante dos casos de tuberculoses resistentes a medicamentos. Por estas razões pode-se compreender a necessidade de encontrarmos novas drogas, como a recém descoberta no Departamento de Química Fundamental da USP, em São Paulo.

A nova droga, definida como C16H23N2O7-355, foi batizada de Glicenina, um composto sólido, cristalino, de baixo ponto de fusão e estável nas condições ambiente. Testado in vitro com várias cepas padrões de micobactérias, ela mostrou-se, em especial, bastante eficaz contra a Micobacteria tuberculosis H37Ra, quando testada em Laboratório independente. Neste caso, a nova droga mostrou-se com atividade igual ou superior à da Rifampicina, um dos antibióticos mais potentes atualmente em uso.

Com estrutura molecular bastante diferente de todas as drogas e antibióticos atualmente em uso, a Glicenina abre-nos um campo de pesquisa bastante promissor e de grande interesse científico e social, não só pela sua eficácia sobre a M. tuberculosis, mas também pelo seu mecanismo de ação e possibilidade de derivados ainda mais ativos. Além do mais, quando comparada com algumas das drogas e antibióticos atualmente em uso, a Glicenina nos acena com a possibilidade de termos um medicamento com menos efeitos colaterais que os atuais.

Em todo o mundo há um alarmante crescimento de casos de tuberculoses resistentes até mesmo às drogas como Isoniazida e Rifampicina. De acordo com os dados oficiais do Ministério da Saúde, no Brasil temos atualmente: 1) 120 mil a 130 mil novos casos de doentes por ano, com notificação oficial na faixa 80 mil a 90 mil; 2) contaminação de mais de 1 milhão de pessoas a cada ano pelo contato com os doentes; 3) existência de mais de 50 milhões de infectados e, portanto, passíveis de desenvolver a doença; 4) 6 mil mortes por ano. O Rio de janeiro aparece como o sendo o estado com o maior número de casos a cada ano (cerca de 15 mil).

Mas por que há tantos casos de infectados que não contraem a doença? Seria este um caso típico de resistência imunológica? Ou seria talvez uma resistência simplesmente metabólica? Afinal, até que ponto o sistema imunológico pode reagir como tal, impedindo o surgimento de uma doença? Até que ponto a perturbação do metabolismo normal pode afetar o sistema imunológico?

A M. tuberculosis é um ser vivo que aparentemente possui uma fantástica capacidade de reagir quimicamente e desafia a ciência. Sendo assim, talvez pensando quimicamente possamos entender um pouco da sua estratégia. É possível que o segredo de sua sobrevivência esteja apoiada em alguns dos milhares de equilíbrios químicos que existem dinamicamente no nosso organismo. Quais então seriam as reações cujos equilíbrios estariam sendo usados? Questões como estas até hoje esperam por respostas satisfatórias. Certamente, aos poucos elas serão respondidas e é muito provável que a Glicenina ajude-nos a entender alguns desses aspectos da doença.

As próximas etapas desta pesquisa no Brasil dependerão das Instituições envolvidas e de apoio financeiro. A dimensão desse apoio e a oportunidade da sua urgência serão uma medida da relevância que a tuberculose tem entre os dirigentes do nosso País.

Às vezes, há um grande hiato entre a descoberta de uma nova droga e o seu uso prático. Mas certamente há mecanismos que podem reduzir esse tempo, sendo a vontade política o principal deles. 
 
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