A respeito de notícias sobre a instalação de equipamentos, em vias públicas, supostamente destinados a eliminar cargas virais, entre elas a de Covid-19, que as pessoas teriam em suas roupas, notadamente aquelas que acabaram de utilizar transporte público, o Sistema CFQ/CRQs e a Associação Brasileira de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (ABIPLA) esclarecem que:
Não há estudos científicos que comprovem a eficácia do uso desse tipo de desinfecção ou de higienização para eliminar microrganismos que eventualmente possam estar depositados em roupas.
Segundo reforça a Nota Técnica nº 34/2020, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), “em relação ao uso de sistemas de desinfecção por meio de um túnel onde são pulverizados produtos desinfetantes diretamente sobre as pessoas, não existe nenhuma comprovação de que esta medida seja efetiva contra a pandemia de coronavírus. Não existe literatura científica nem recomendação de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde sobre esta prática”. Tais sistemas submetem desnecessariamente as pessoas aos efeitos adversos dos produtos aplicados, completa a nota.
Nenhum desinfetante deve ser utilizado para a descontaminação de pessoas, pois esses produtos não são considerados antissépticos de uso tópico. Desinfetantes são produtos químicos tecnicamente classificados como saneantes e, como tal, devem ser aplicados exclusivamente sobre superfícies inanimadas.
Para que um produto químico possa ser aplicado sobre a pele, ele deve estar enquadrado, de acordo com a legislação vigente, na classificação da ANVISA como produto de higiene pessoal, cosmético e perfume. Este é o caso do álcool gel para as mãos. Há também os produtos classificados como medicamentos, que também seguem regulamentos específicos.
Em meados do mês de abril, uma joint venture – formada por três empresas dos setores químico, estruturas em lona e equipamentos para pintura – apresentou um sistema destinado a “descontaminar pessoas” a partir da nebulização de quaternário de amônia de quinta geração (mesma classe de composto a qual pertence o cloreto de benzalcônio), que é um tipo de desinfetante. Segundo se noticiou, a solução seria capaz de eliminar bactérias, fungos e vírus, inclusive o do coronavírus, de roupas, pertences pessoais e calçados. Representantes da joint venture disseram até ter laudos de um laboratório independente comprovando a eficácia da solução.
Contudo, segundo a Anvisa, a aplicação de qualquer saneante em pessoas por meio de dispositivos de nebulização ou de aspersão, instalados em vias públicas ou entradas de empresas, é uma prática que pode causar graves danos à saúde, como irritação da pele e das vias aéreas. O laboratório citado pela joint venture confirmou ter sido contratado, mas explicou que seus ensaios se limitaram a verificar a eficiência do saneante empregado pelo sistema na eliminação das bactérias causadoras de pneumonia, infecção intestinal e infecção generalizada. Além de o estudo não ter incluído nenhum tipo de vírus, para que as bactérias pudessem ser eliminadas foi necessário que um tubo contaminado fosse exposto ao agente saneante, diluído em 5%, por dez minutos, que é um tempo bem superior ao que uma pessoa fica exposta na cabine ou túnel de nebulização.
Há notícias, também, de empresas que estariam usando em suas “descontaminações de pessoas” o hipoclorito de sódio e outros produtos com cloro ativo em concentrações de até 0,05% (500 ppm). Alegam que essa concentração é inofensiva ao ser humano, pois seria a mesma utilizada no tratamento de água de piscina. A informação, entretanto, está em desacordo com a legislação vigente: no Estado de S. Paulo, segundo o Decreto n° 13.166, de 23/01/1979, o teor de cloro residual em água de piscina dever ser de 0,5 a 0,8 mg/L (0,5 a 0,8 ppm). Apenas para citar outro exemplo, a Instrução Normativa do Centro de Vigilância Sanitária do Distrito Federal define que esta concentração deve variar entre 0,5 a 1,5 mg/L, ou 0,5 a 1,5 ppm.
Como se nota, o teor de 500 ppm está muito acima da dose segura preconizada pela legislação. Nesta concentração, as névoas formadas pelos equipamentos de nebulização ou de aspersão têm elevado potencial de causar danos à saúde, segundo enfatizado no comunicado nº 10, de 03/04/2020, do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo (CVS-SP), que trata da limpeza e desinfecção de espaços públicos para prevenir riscos associados à Covid-19 e dos cuidados que devem ser dispensados aos trabalhadores que operam tais equipamentos. O item 8 dessa instrução diz que:
O hipoclorito de sódio, assim como outros desinfetantes, é um agente químico perigoso à saúde se utilizado em concentrações inadequadas ou de modo diverso do preconizado nas normas de segurança. O produto é um potente oxidante, capaz de gerar gases tóxicos e causar danos à saúde – ainda mais se misturado com outros compostos –, como irritações e queimaduras na pele, olhos e sistema respiratório. Seu uso requer medidas de segurança para o aplicador e cuidados para não expor as pessoas porventura presentes nas imediações das áreas sujeitas ao procedimento.
O mesmo CVS-SP, por meio do comunicado CVS-SAMA/DVST/DITEP 13, de 17/04/2020, reforçou que embora o uso desses equipamentos e produtos para descontaminar pessoas seja anunciado como iniciativa complementar de combate à Covid-19, “não identificamos um conjunto de evidências mais robustas que demonstrem sua eficácia e, portanto, a justifiquem como estratégia para redução da carga viral nas pessoas e seus pertences”. Além disso, advertiu que “como não há regulamentações ou protocolos estabelecidos para tais iniciativas, podem ser múltiplas as fórmulas e as condições de aplicação do produto, implicando, assim, diferentes resultados não só em termos de eficácia, mas também de riscos à saúde”.
Diante da falta de comprovações científicas sobre a eficácia dos sistemas de desinfecção mencionados e dos riscos à saúde que podem sujeitar a população, o Sistema CFQ/CRQs informa que está convocando os Responsáveis Técnicos pelas empresas químicas envolvidas para que prestem esclarecimentos sobre os estudos que desenvolveram antes de sancionar as soluções noticiadas.
Enquanto isso, recomenda à população que não se exponha a tais dispositivos de “desinfecção” e sugere às empresas e ao poder público que posterguem investimentos na aquisição de tais equipamentos até que se tenha comprovação de sua eficácia. A falsa sensação de segurança que tais dispositivos eventualmente proporcionam pode levar as pessoas a relaxarem nos procedimentos básicos e já consagrados para reduzir o risco de contaminação pela Covid-19: usar máscara, higienizar correta e frequentemente as mãos com água e sabão (ou álcool gel) e evitar aglomerações sociais.