O Potencial dos Coprodutos e dos Resíduos da Biomassa Agroindustrial na Química Renovável
Autor(a): Sílvio Vaz Jr.
A química renovável surge como uma alternativa de uso de matérias-primas oriundas da biomassa, em substituição ao petróleo, que é uma matéria-prima não renovável. Isto pode contribuir para a redução de impactos ambientais negativos dos compostos químicos e de seus processos de produção. Esta ideia está ilustrada na Figura 1.
Os setores econômicos que podem ser englobados pela química renovável são: químico, química fina e especialidades, farmacêutico, alimentação, agroquímico, construção, têxtil, automotivo, entre outros.
O conceito de biorrefinaria propõe o aproveitamento total das potencialidades da biomassa – seguindo-se o modelo de uma refinaria de petróleo – para a obtenção de energia, insumos, materiais e produtos químicos de alto valor, como bloco-construtores e intermediários de síntese. Os fundamentos de química verde estabelecem, entre outros critérios, a minimização da geração de resíduos, o uso de catalisadores, a economia energética e atômica e o uso de matéria-prima renovável na química; a bioeconomia propõe a mudança de uma economia baseada em recursos não renováveis, como o petróleo, por recursos renováveis, como a biomassa. A química renovável pode aliar estes três conceitos, levando a uma química mais sustentável.
A Figura 2 ilustra o uso da biomassa segundo o conceito de biorrefinaria, sugerindo o potencial da segunda em agregar valor às cadeias produtivas agroindustriais, em especial a agroenergética. Pode-se observar que os bioprodutos (materiais e compostos químicos) destacam-se quanto a este potencial econômico. Cabe ressaltar que esta representação considerou estudos já realizados pela Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento (OECD) e pela União Europeia.
Na Embrapa Agroenergia, o Laboratório de Aproveitamento de Coprodutos e Resíduos vem desenvolvendo projetos relacionados à química renovável, a partir do uso das frações lignocelulósicas (lignina, celulose e hemicelulose). Exemplos nesse sentido são os projetos C5-AGREGA (utilização da xilose presente no bagaço de cana-de-açúcar para a produção de bloco-construtores e intermediários de síntese para química fina, por meio de síntese orgânica, fermentação e catálise enzimática), LIGNORENOV (utilização da lignina presente no licor negro para a produção de monômeros para resinas poliméricas e antioxidantes para biodiesel, utilizando cracking catalítico) e NanofiBRA (extração de nanofibras de celulose de cachos vazios do dendê para utilização como reforço para borracha natural).
De modo a divulgar e propor a discussão sobre as biorrefinarias no Brasil, a Embrapa Agroenergia vem organizando eventos técnico-científicos, como o Simpósio Nacional de Biorrefinarias, cuja segunda edição será realizada em setembro de 2013, e publicando livros, como a obra Biorrefinarias: Cenários e Perspectivas, documentos orientadores e artigos. Recentemente foi publicado um número da série Documentos Embrapa, intitulado Estratégias para o Uso de Biomassa em Química Renovável.
Como já comentado, os conceitos de biorrefinaria e de química verde enfocam o aproveitamento da biomassa de modo que se criem cadeias de valor similares àquelas dos derivados do petróleo; porém, com menor impacto ao meio ambiente. Assim, são contemplados sistemas integrados (matéria-prima, processo, produto e resíduos) sustentáveis, de acordo com parâmetros técnicos que levam em conta, dentre outros aspectos, os balanços de energia e massa, e a análise do ciclo de vida. Desse modo, pode-se observar a grande sinergia entre as biorrefinarias e a química verde, principalmente no que diz respeito à minimização de resíduos e de impactos ambientais, contribuindo para a criação de uma “economia verde”. Citando-se como exemplo uma biorrefinaria baseada na cana-de-açúcar como matéria-prima, esta pode integrar em um mesmo espaço físico processos de obtenção de biocombustíveis (etanol), produtos químicos (sucroquímicos), biofertilizante, energia elétrica e calor.
Os produtos químicos desenvolvidos a partir da biomassa são os que possuem maior potencial em agregar valor a uma cadeia produtiva agroenergética (Figura 2), em função da participação estratégica da indústria química no fornecimento de insumos e produtos finais a diversos setores da economia, como: petroquímico, farmacêutico, automotivo, construção, agronegócio, cosméticos, etc. Biocombustíveis e materiais estão em um segundo patamar de valoração, seguidos por energia e insumos químicos, como fertilizantes e defensivos agrícolas.
No Brasil, esforços têm sido feitos de modo a se avaliar o potencial econômico da biomassa. Porém, o número de trabalhos voltados exclusivamente para o aproveitamento de resíduos agroindustriais na química é pequeno no País, excetuando-se aqueles voltados à obtenção de etanol de segunda geração e uso de efluentes, como a vinhaça. No caso dos biocombustíveis, o aproveitamento da biomassa residual é básico para viabilizar a cadeia produtora.
O mercado mundial de produtos químicos envolve valores em torno de USD 100 bilhões ao ano, onde cerca de 3% desse montante dizem respeito aos bioprodutos, ou derivados da biomassa, havendo uma estimativa de aumento desta participação para 25% até o ano 2025. Estes valores dão uma ideia das possibilidades e dos riscos envolvidos. Resíduos e coprodutos de cadeias como a do etanol, biodiesel e florestas foram avaliados quanto ao seu potencial econômico, de modo a apresentar um panorama atual de perspectivas e de desafios a serem superados para sua incorporação à crescente economia verde nacional, além da sua contribuição para o desenvolvimento de uma química renovável e sustentável.
Químico, doutor em Química Analítica (Universidade de São Paulo) e Pesquisador do Lab. de Aproveitamento de Coprodutos e Resíduos – Embrapa Agroenergia. Contatos podem ser feitos pelo e-mail silvio.vaz@embrapa.br.