Investigações em nanoescala desvendam morfologia e criam mercado de arte
Imagine uma obra de arte feita a partir de imagens de materiais cerâmicos, obtidas por potentes microscópios e tratadas por meio de processos químicos e físicos, a fim de revelar as suas estruturas morfológicas. A conjunção de arte, ciência e tecnologia tornou-se possível a partir de experimentos científicos que deram origem a chamada “nanoarte”.
No Brasil, o “Projeto Nanoarte” é desenvolvido desde 2009 por um grupo de pesquisadores do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN). Coordenados por Elson Longo da Silva, professor do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, os trabalhos nessa área são desenvolvidos nessa instituição e na Universidade Federal de São Carlos, financiados pela Fapesp e pelo CNPq.
A produção das obras de arte baseadas em nanotecnologia começa com os pesquisadores coletando imagens que são invisíveis a olho nu, pois possuem dimensões um milhão de vezes menores que um milímetro, explica Longo. “Após a obtenção das imagens em preto e branco por meio de um microscópio de varredura de alta resolução, é necessário utilizar um software para colorizá-las. Além de mostrar a arte da natureza na Ciência, a colorização ajuda a visualizar as morfologias associadas a diferentes tipos de materiais”, ensina.
A aplicação dessas técnicas faz com que imagens resultantes de substâncias como prata e óxido de cobre lembrem objetos visíveis e que fazem parte do cotidiano, como bolas de tênis, novelos de lã, flores, espirais, entre outros.
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As nanoartes "Espirais", de Rorivaldo Camargo, e "Pólem", de Ricardo Tranquilin
"Nascimento do Mundo", de Daniela Caceta, e "Margaridas", de Rorivaldo Camargo
As obras "Bolas de Tênis" e "Caixa com novelos" foram produzidas por Ricardo Tranquilin
Difusão global - De acordo com Elson Longo, o grupo de pesquisadores já participou de diversas exposições nacionais de nanoarte, a maioria delas em São Paulo. Além disso, alguns trabalhos se destacaram em eventos internacionais. A nanoarte já é consolidada em mais de 30 países. Além do Brasil, também se destacam trabalhos feitos nos EUA, Alemanha, Canadá, Itália, Austrália, Rússia, Japão e México.
Anualmente, é realizada em Nova York (EUA) a Mostra Internacional On-line de Nanoarte, organizada pelo pesquisador Cris Orfescu, professor da Universidade de Nova York. Em média, cerca de 100 imagens são julgadas e concorrem a premiações. Na quarta edição, promovida em janeiro deste ano, participaram quatro pesquisadores-artistas: Rorivaldo Camargo, Ricardo Tranquilin, Enio Longo e Daniela Caceta. Em março, foi realizada uma mostra de nanoarte em Israel, para a qual foram selecionadas quatro obras produzidas em laboratórios químicos brasileiros: “Spirals hematite”, de Rorivaldo Camargo, “Tenis bol silver nanoparticles”, de Ricardo Tranquilin, e “Dreams by Van Gogh” e “Status quo”, de Enio Longo.
Os trabalhos produzidos com essa técnica têm chamado tanto a atenção que extrapolaram os círculos acadêmicos/científicos e já começam a formar um mercado de colecionadores interessados nesse tipo de arte. De acordo com Elson Longo, algumas peças já foram negociadas, nos Estados Unidos, por até US$ 15 mil. Os preços se justificam, diz o diretor do CMDMC, pelo alto custo dos equipamentos necessários para produção, que podem chegar a US$ 1 milhão, como também pelo fato de as imagens serem únicas, praticamente impossíveis de serem reproduzidas. Longo informa que os pesquisadores brasileiros não comercializam suas criações.
Ciência - Obter imagens para fins artísticos, porém, não é o objetivo desses estudos. Se para as pessoas comuns a nanoarte representa um espetáculo de imagens, para os pesquisadores ela significa um avanço para melhorar a compreensão da origem e a estrutura da matéria, que são o caminho para o entendimento e controle de suas propriedades. O acesso a essas informações é essencial para o desenvolvimento de novas tecnologias na área de produção de materiais.
Elson Longo da Silva conta que, nos últimos anos, foram obtidos óxidos nanoestruturados, sintetizados via processo hidrotermal com microondas. “Estes materiais com novas morfologias resultaram em novas propriedades físicas, sendo aplicados em catálise, sensores de gás, células solares e dispositivos optoeletrônicos”, finaliza.