Busca
Faça uma busca por todo
o conteúdo do site:
   
Acesso à informação
Bolsa de Empregos
Concursos Públicos (CRQ-IV)
Consulta de Registros
Dia do Profissional da Química
Downloads
E-Prevenção
Espaços para Eventos
Informativos
Jurisprudência
Legislação
LGPD
Linha do Tempo
Links
Noticiário
PDQ
Prêmios
Prestação de Contas
Publicações
QuímicaViva
Selo de Qualidade
Simplifique
Sorteios
Termos de privacidade
Transparência Pública
 

Mar/Abr 2013 

 


Matéria Anterior   Próxima Matéria

Quando a deficiência não é obstáculo para a competência
Autor(a): Jonas Gonçalves


Se o ingresso ou o retorno ao mercado de trabalho é uma batalha complicada de vencer, mais árdua ainda ela é para quem possui restrições físicas. Para estes, os testes a serem resolvidos e, talvez, a impressão inicial a ser desfeita são bem mais desafiadores. As histórias contadas nesta reportagem, porém, mostram que é possível superá-los

A inclusão de deficientes físicos no mercado está prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Chamada de “Lei de Cotas”, ela prevê que toda empresa com 100 ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% dos postos de trabalho a pessoas com algum tipo de deficiência. O percentual varia de acordo com o número total de funcionários (de 100 a 200, 2%; de 201 a 500, 3%; de 501 a 1.000, 4%; e a partir de 1.001, 5% das vagas disponíveis). A empresa que desrespeitar a Lei de Cotas estará sujeita à multa entre R$ 1.617,12 a R$ 161.710,08.

Técnico em Química formado ano passado pela Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, uma das mais conceituadas da capital paulista, Eduardo Guimarães Candido tem 25 anos e cadastrou seu currículo na Bolsa de Empregos do CRQ-IV como forma de buscar seu primeiro emprego na área. Enquanto a chance não chega, ele investe seu tempo no curso de bacharelado em Química Ambiental na Universidade de São Paulo. Deficiente auditivo, ele explica que o curso superior é apenas mais uma etapa do processo de qualificação que idealizou: “quero seguir na carreira acadêmica e chegar ao doutorado”, revela.

Eduardo possui uma perda bilateral da audição (50% em cada um dos ouvidos). “A perda me atrapalha mais em casos que não esteja usando o meu aparelho e outra pessoa converse comigo estando em outro ambiente ou mesmo atrás de mim”, conta. Sua deficiência é congênita, mas graças ao acompanhamento fonoaudiológico que teve desde a infância, consegue falar bem. “Para melhorar a comunicação, estou disposto a aprender Libras [Língua Brasileira de Sinais]”, avisa.

Apesar de também estar fora do mercado atualmente, o Químico Industrial e deficiente visual Wanderley Riccomi, 52 anos, possui uma longa carreira na área, tendo trabalhado por 25 anos na Avon, fabricante de cosméticos. Como decorrência de uma infecção na retina, ele perdeu a visão de um dos olhos e, com o outro, enxerga parcialmente. Segundo garante, o problema atrapalha, mas não o impede de trabalhar. “Uso óculos para enxergar a curta distância e, em alguns casos, preciso de uma lupa para ler, mas nada que inviabilize o exercício profissional”, ressalta.

Para Eduardo Candido, apesar de haver uma disposição por parte de empresas em cumprir a lei e investir em estruturas adequadas para deficientes, ainda é possível haver melhorias. “Sempre é possível melhorar, pois garantir o aprimoramento profissional deve ser sempre uma prioridade. É importante que haja inclusão no mercado de trabalho”, afirma.

Já Riccomi faz críticas ao pouco espaço que diz encontrar. “As empresas contratam profissionais com deficiência por serem obrigadas a cumprir a legislação e, em minha opinião, apresentam poucas vagas na área química. Os deficientes, que em alguns casos têm mais a oferecer do que uma pessoa totalmente sadia, deveriam receber mais atenção”, defende.

Persistência – Preocupados com sua deficiência física, os pais tentaram demovê-lo da ideia de estudar Química por considerá-la uma área perigosa. Não deu certo e, em 1976, Milton Del Rey, de 59 anos, concluiu seu bacharelado em Química com Atribuições Tecnológicas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Na documentação do Exército, meu defeito foi denominado 'atrofia no braço direito'. No entanto, recentemente um neurologista pediu uma tomografia e descobriu que eu tive um AVC [Acidente Vascular Cerebral] no meu nascimento ou no primeiro ano de vida”, conta.

“Nunca tive grandes problemas na fase dos estudos. Na faculdade, havia uma grade na bancada e aprendi a fazer montagens com garras, que utilizava para prender os equipamentos quando não conseguia segurar”, lembra. Depois, nas atividades diárias, quando tinha alguma dificuldade usava a criatividade ou pedia ajuda aos colegas.

O preconceito e até mesmo a falta de conhecimento de algumas empresas fizeram com que ele precisasse persistir muito até conseguir entrar no mercado. Segundo recorda, algumas firmas o entrevistavam, o aprovavam nos testes e até pediam que providenciasse os documentos para a contratação. Porém, depois de receberem os resultados dos exames médicos admissionais, o dispensavam sob a alegação de que a vaga fora cancelada.

Mas essas “desculpas” não o fizeram desistir até que, em 1978, sua oportunidade chegou. Durante a entrevista que fez para disputar uma vaga na extinta Union Carbide, em Cubatão, Milton Del Rey falou de sua deficiência, mas garantiu que ela não o impedia de desenvolver atividades na área química. Foi então que ouviu do entrevistador uma frase que nunca mais esqueceu e que teve grande importância para sua carreira: “braço, eu tenho muitos; preciso é de cabeça”. A afirmação foi feita pelo Bacharel em Química Nikolai Zaharenko, hoje com 66 anos, que na época era o gerente da unidade onde Del Rey pretendia trabalhar.

Sua efetivação, contudo, apenas se deu após intervenção direta de Zaharenko, que exigiu sua contratação após o médico da empresa o ter reprovado por conta da deficiência. “Se não fosse ele, teria sido ainda mais difícil, pois na época os profissionais com deficiência não tinham o apoio que existe hoje”, avalia Del Rey.

Ainda na ativa, Nikolai Zaharenko, que atualmente trabalha no segmento industrial metalúrgico, recorda-se do caso e afirma que seu ex-funcionário sempre exerceu suas funções de forma correta. “Resolvi aproveitá-lo e ele soube superar as dificuldades, trabalhando muito bem com análises e instrumentos. Não me arrependi de tê-lo contratado”, salienta.

Depois de trabalhar nove anos na Union Carbide, onde chegou ao cargo de Coordenador de Formulações e foi responsável pela montagem do laboratório envolvido na produção de inseticidas da família dos carbamatos, utilizados como substitutos de praguicidas organoclorados, Del Rey passou por outras empresas de peso no setor químico. Na Rhodia, trabalhou por três anos e foi chefe do Laboratório de Qualidade; na Funcamp, entidade ligada à Unicamp, permaneceu por 14 anos coordenando, pela ordem, as áreas de cromatografia, farmácia e almoxarifado; e no L. A. Falcão Bauer Centro Tecnológico de Controle de Qualidade, onde foi coordenador de Almoxarifado e de Tratamento de Resíduos. Lá se aposentou, mas até hoje continua prestando consultoria para a empresa.

Paralelamente às atividades na indústria, Del Rey cursou Licenciatura em Química e pós-graduação. Com mais essas habilitações, a partir de 1991 passou também a atuar como professor, lecionando para turmas do curso Técnico em Química do Colégio Ateneu Santista, de Santos, onde reside. Ele também integra a Comissão de Ensino Técnico do CRQ-IV que, entre outras atividades, foi responsável pela criação do programa Selo de Qualidade.

“O que percebi em toda minha vida é que a sociedade faz uma cobrança indireta às pessoas com deficiência: se erramos, mesmo que devido a algo que nada tenha a ver com o problema, existe uma cobrança maior. Na minha vida fui muito testado, tanto nos empregos como nas escolas”, avalia. Para Del Rey, os obstáculos enfrentados por deficientes para exercer a profissão ainda existem, mas a situação melhorou ao longo do tempo. “Há setores da área química, como gestão de qualidade e de análises instrumentais, que demandam um alto grau de conhecimento e não dependem, necessariamente, da condição física”, completa.

Diversidade - Enquanto algumas empresas da área química apenas se limitam a cumprir a Lei de Cotas, outras se preocupam em estimular a produtividade por meio de um ambiente inclusivo. Este é caso da Basf, que criou uma divisão especialmente para cuidar da Diversidade e Inclusão.

“A Basf promove diversas ações para que o processo de inclusão seja feito com qualidade, como workshops de conscientização, cursos de capacitação profissional e utilização de tecnologias, como é o caso de um software para pessoas com deficiência visual”, explica Guilherme Bara, de 35 anos, coordenador da área na América do Sul, que é deficiente visual.

Bara conta que, em suas unidades, a Basf possui infraestrutura adequada a fim de garantir a acessibilidade física. Porém, segundo ele, é necessário um esforço contínuo. “O desafio é grande, pois trabalhamos diariamente com temas até então pouco abordados no mundo corporativo, como é o caso da inclusão de pessoas com deficiência”, pondera.

Formada pela Universidade Santa Cecília, de Santos, a Engenheira Química Raquel Ramalho de Carvalho Costa, de 36 anos, está entre os profissionais beneficiados pelo programa da multinacional alemã. Técnica do Laboratório de Controle de Qualidade que realiza análises de matérias-primas de tintas e resinas, ela tem uma deficiência auditiva, sequela de uma meningite.

Raquel acredita que a iniciativa da Basf em manter um setor dedicado à inclusão viabiliza o relacionamento com aqueles que não vivenciam esse tipo de problema. “Recebemos um suporte, inclusive durante as palestras, que contam com intérpretes de Libras. Ao mesmo tempo, é promovida uma conscientização dos demais colaboradores sobre a importância de se trabalhar com pessoas diversas, sejam elas com deficiência ou que tenham diferentes culturas e opiniões”, relata a profissional, que aprendeu uma técnica de leitura labial para melhorar a comunicação com seus colegas de trabalho.

Para a Engenheira Química, mais oportunidades estão sendo criadas na área química conforme avança o processo de adequação das empresas para a recepção desses profissionais. “Temos somente que lutar por aquilo que acreditamos, principalmente na busca por obter uma boa qualificação. Dessa forma, o mercado de trabalho acaba se tornando mais acessível”, acredita.

Segundo Guilherme Bara, a Basf planeja para 2013 um projeto de promoção e valorização da diversidade, baseado em iniciativas realizadas pela empresa, como é o caso do censo demográfico que reúne dados sobre os colaboradores. Além disso, deverá oferecer oportunidades para a inclusão de pessoas com deficiência. Mais informações podem ser obtidas no site da Basf.
 





Relação de Matérias                                                                 Edições Anteriores

 

Compartilhe:

Copyright CRQ4 - Conselho Regional de Química 4ª Região