Conheça a história do Engenheiro Industrial – Modalidade Química Carlos Vicente Ferrero,
funcionário da Companhia Brasileira de Cartuchos há 60 anos
Aos 88 anos, o Engenheiro Industrial – Modalidade Química Carlos Vicente Ferrero nem pensa em aposentadoria definitiva. Com uma trajetória singular na área, o profissional trabalha desde 1953 para a mesma empresa, a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), sediada em Ribeirão Pires, na região metropolitana da Capital.
Paulistano nascido a 7 de julho de 1925, Ferrero demonstrava gostar de fazer experimentos desde criança e – diriam os que acreditam em destino – parece que seu futuro profissional começou a se desenhar desde aquela época: com os amigos, costumava fabricar revólveres de espoleta utilizando cabos de guarda-chuva. “Colocávamos pólvora com pedrinhas e atirávamos nas turmas de outros bairros para defender o nosso território”, lembra ele.
No terceiro ano do curso ginasial no Colégio Nossa Senhora do Carmo, Ferrero se interessou pela Química. Para fazer os experimentos que aprendia nos livros, como a formulação da pólvora preta, comprava os materiais necessários, como salitre e enxofre. “Acabava sendo mais barato produzir a pólvora em casa”, ressalta.
Cursou graduação em Engenharia Industrial – Modalidade Química na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), então ligada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No período, fez um estágio na Laminação Nacional de Metais, em Santo André. Depois de se formar, em 1952, procurou emprego em uma perfumaria e em uma fábrica de lubrificantes. Ambas, no entanto, não lhe agradaram já nas entrevistas especialmente pela intensidade dos aromas típicos dessas indústrias. Por isso, continuou sua busca pela primeira oportunidade e a encontrou na Wheaton Brasil, fabricante de embalagens de vidros.
Depois de aproximadamente seis meses, estava desmotivado na empresa e viu em um anúncio de jornal a chance de mudar para outro segmento: uma vaga para engenheiro de controle de qualidade na Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que na época pertencia à multinacional americana Remington Arms Company e era sediada no distrito de Utinga, pertencente ao município de Santo André.
Ferrero lembra que, naquele tempo, um dos significados para o termo “cartucho” era a denominação dos sacos de papel utilizados para embalar produtos a granel como arroz, por exemplo, encontrados nas vendas e feiras da cidade. A surpresa veio quando soube que a CBC produzia outro tipo de cartucho, o que embala munições, e também pólvora, misturas iniciadoras e armas. “Quando fiz estágio na Laminação Nacional de Metais, ouvia os tiros dos testes que a CBC realizava, pois a fábrica era em Utinga. Nunca imaginei que um dia trabalharia ali”, conta.
No final de junho de 1953, a CBC entrou em contato com Ferrero e lhe convidou para trabalhar na empresa a partir de 1º de julho. A expectativa inicial era permanecer por um ou dois anos, mas o Engenheiro viu ali uma série de oportunidades de crescimento profissional, participando do desenvolvimento de inovações tecnológicas.
No ano seguinte, a CBC passou por uma reestruturação que criou o Departamento Técnico de Pesquisa e Desenvolvimento (DTPD), no qual Ferrero passou a trabalhar. Inicialmente, atuava na fabricação de cartuchos utilizados em armas de caça. Entretanto, a partir da década de 1960, a CBC passou a ter uma divisão dedicada a produtos diversos, que atendiam a outros segmentos. Nela, Ferrero ajudou a desenvolver desde tampas para perfumaria até terminais engastados de cabos de bateria para veículos e peças para máquinas de lavar roupa.
“Uma das épocas em que mais corríamos era quando ocorria o concurso Miss Brasil. Havia uma demanda considerável por embalagens de produtos para maquiagem, como batons e pó-de-arroz. Também fomos responsáveis pela produção das embalagens das primeiras canetas das marcas Parker e Pilot fabricadas no Brasil”, relata.
Sobre o seu registro no CRQ-IV, Ferrero recorda que este aconteceu somente em março de 1958, após uma solicitação da entidade direcionada à CBC. Como havia se formado antes da criação do Conselho Federal de Química e dos primeiros Conselhos Regionais, em 1956, registrou-se no Ministério do Trabalho, então responsável pela fiscalização da atividade química.
A divisão de produtos diversos acabaria sendo extinta em 1990 devido a mudanças no controle acionário da CBC, que havia deixado de pertencer à Remington no ano anterior. Em 1991, o DTPD mudou-se para a sede da empresa em Ribeirão Pires.
Dois anos mais tarde e contabilizando quatro décadas de serviços prestados, Ferrero se aposentou. Contudo, devido à vasta experiência acumulada, a CBC o recontratou pouco tempo depois para trabalhar como um consultor. Passou a orientar os engenheiros mais novos e também a coordenar os testes exigidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a exportação de munições e armas. Respeitado por todos na empresa, é humilde ao afirmar que sabe apenas uma “pequena parte” de todo o conhecimento da área, o que procura passar aos mais jovens.
Marcas – Ferrero elegeu como seu marco mais importante na trajetória de 60 anos na CBC a construção da fábrica de misturas iniciadoras em Ribeirão Pires. De 1965 a 1969, o audacioso projeto que mudou as instalações de Utinga (distrito de Santo André) para a cidade da região metropolitana da Capital demandou tempo e análises criteriosas para a escolha de materiais e de aparelhos que seriam utilizados na nova planta.
A CBC era uma das únicas empresas que utilizava fulminato de mercúrio, que depois foi substituído por outros dois elementos: estifinato de chumbo e tetrazeno. Ferrero teve grande participação nesse processo, especialmente após a construção da fábrica que passou a realizar o processamento das chamadas misturas iniciadoras, que contêm os elementos detonantes responsáveis pelos disparos das munições. Atualmente, as misturas são feitas com diazol, nitrato de estrôncio, pólvora e tetrazeno.
Para aprender mais sobre o assunto, em 1975, Ferrero fez um estágio de três meses nos EUA, durante o qual visitou duas unidades da Remington Arms localizadas nas cidades de Bridgeport (Connecticut) e Lonoke (Arkansas).
As embalagens de munições precisam ser submetidas a uma série de avaliações. No Brasil, só se faziam testes de queda e compressão, mas a partir do ano 2000, passou-se a utilizar os procedimentos exigidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) a fim de que os produtos comerciais e também os que serão usados para fins militares tenham autorização para ser exportados. Ferrero também contribuiu com o seu conhecimento como representante da CBC junto à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Ao ser homenageado pela empresa no último dia 4 de julho, Ferrero custou a conter a emoção. “Se sofresse do coração, certamente teria tido algum problema”, conta. Ele recebeu um troféu com referências a todos os produtos nos quais participou do desenvolvimento, além de uma placa especial. O Conselho também lhe prestou uma homenagem, concedendo uma placa parabenizando-o pelos 60 anos de trabalho na CBC. Esta, aliás, foi a segunda homenagem feita pelo Conselho a Ferrero: em 2009, a entidade lhe concedeu uma placa de honra ao mérito por ser ele, na época, o Engenheiro Industrial – Modalidade Química ainda em atividade com o registro mais antigo.
Teve três filhos com Mira Ivone (já falecida), com quem foi casado por 59 anos: Vicente Carlos (médico neurologista), José Antônio (engenheiro civil) e César Augusto (dentista, também falecido). O único que seguiu os passos do pai, ainda que em outro departamento (manutenção), foi José Antônio, que trabalhou durante 17 anos na CBC. Tem ainda dois netos e uma neta.
De segunda a sexta-feira, das 8h às 17h05, Ferrero cumpre mais do que o seu expediente regular. “Faço o que gosto. É por isso que estou aqui até hoje e quero continuar trabalhando”, finaliza o veterano profissional.