Artigo - A importância e a efetividade dos Programas de Gerenciamento de Risco
Autor(a): Ricardo Rodrigues Serpa
Histórico - Nos anos 80, a ocorrência de grandes acidentes industriais, entre eles Cubatão, no Brasil, Cidade do México e Bhopal, na Índia, todos no ano de 1984, motivou uma série de ações voltadas para a prevenção dos chamados acidentes maiores na indústria, em particular na indústria química e petroquímica.
Em 1985, a Canadian Chemical Producers Association (CCPA) criou o Programa Responsible Care, que estabeleceu diretrizes voltadas para a segurança dos processos, dos trabalhadores, produtos e meio ambiente.
Inspirado no programa canadense, o International Council of Chemical Associations (ICCA) adotou o Responsible Care como uma estratégia da indústria química mundial com o objetivo de promover processos de melhoria permanente nas questões de saúde, segurança e meio ambiente. Esse programa, no Brasil denominado “Atuação Responsável”, é coordenado pela Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) desde 1992.
Nos Estados Unidos, no final da década de 80, tanto a Environmental Protection Agency (EPA), como a Occupational Safety and Health Administration (OSHA), implantaram programas específicos voltados para a gestão dos riscos industriais; Risk Management Program (RMP) e Process Safety Management (PSM), a exemplo do que já ocorria na Europa com as legislações específicas sendo implantadas pelos países membros da então Comunidade Econômica Européia, atual União Européia, para a regulamentação da Diretiva de Seveso, cuja primeira edição havia sido publicada em 1982.
Em 1988, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) desenvolveu o Programa APELL (Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level), cujo principal objetivo é promover ações conjuntas entre as autoridades locais, líderes comunitários e representantes da indústria para intensificar a conscientização e preparação da comunidade para a resposta a situações de emergência.
Em junho de 1993, outro organismo da ONU publicou importante Convenção aprovada na Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção Nº 174, que trata da “Prevenção de Acidentes Industriais Maiores”.
A exemplo do que vinha ocorrendo em outros países, também no Brasil, em particular no Estado de São Paulo, algumas ações surgiram no sentido de estudar em detalhes os riscos associados às grandes instalações industriais, em particular em regiões com grandes concentrações de empresas com processos envolvendo produtos perigosos, como por exemplo na Região Metropolitana de São Paulo, Baixada Santista e Paulínia, com o objetivo de prevenir a ocorrência de grandes acidentes ambientais.
Esse processo foi liderado pela Agência Ambiental de São Paulo, atual Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que passou a exigir os Estudos de Análise de Riscos (EAR) nos processos de licenciamento ambiental.
A experiência do Estado de São Paulo acabou sendo adotada por outros Órgãos Estaduais de Meio Ambiente, como o Rio de Janeiro por meio das ações da FEEMA (atual INEA) e FEPAM no Rio Grande do Sul, resultando na efetiva incorporação dos estudos de análise e avaliação de riscos nos processos de licenciamento ambiental por todos os órgãos estaduais e também pelo órgão federal (IBAMA).
Estudo de Análise de Riscos - O Estudo de Análise de Riscos (EAR) é o instrumento pelo qual um novo empreendimento, ou a ampliação de uma instalação existente, cujo processo ou atividade imponha riscos maiores ao meio ambiente ou à comunidade externa e circunvizinha à instalação, deve ser avaliado no sentido de garantir que os riscos impostos sejam considerados toleráveis. Um risco imposto por uma atividade perigosa deve ser considerado tolerável para a população quando, em tese, é menor que o risco ao qual um cidadão médio dessa população já é exposto em decorrência de suas atividades na vida cotidiana.
Responder a essa questão, por vezes, não é simples, razão pela qual o Brasil tem adotado valores de referência praticados em outros países.
Para que os riscos sejam corretamente avaliados, o EAR deve identificar todos os possíveis incidentes (eventos anormais) passíveis de ocorrerem nas instalações em análise, identificar cada um dos diferentes efeitos físicos (explosões, incêndios, emissões tóxicas etc.) e seus respectivos alcances (distâncias potencialmente atingidas), correlacionando-os com suas probabilidades ou frequências de ocorrência.
A figura abaixo apresenta a sequência para o desenvolvimento de um Estudo de Análise de Riscos (EAR).
O fluxo mostrado deixa patente a importância de os riscos serem avaliados previamente à emissão de uma Licença Ambiental (Licença de Instalação), permitindo que um empreendimento perigoso possa operar dentro de rígidos padrões de segurança.
Do exposto, é possível concluir que as exigências atualmente feitas pelos órgãos ambientais, no âmbito do Licenciamento Ambiental, têm cumprido seu papel no sentido de coibir a instalação de empreendimentos cujos projetos não atendam aos requisitos de segurança pertinentes e cujos riscos sejam considerados intoleráveis ao ser humano e ao meio ambiente.
Gerenciamento – Além do EAR, para conceder a licença os órgãos ambientais também exigem que o projeto de construção ou instalação de um empreendimento com esse perfil contemple um Programa de Gerenciamento de Risco (PGR), instrumento que balizará o acompanhamento diário das operações.
O PGR é um documento que tem por objetivo demonstrar, com base nos resultados do EAR, os procedimentos, normas e instruções técnicas a serem observadas para o controle dos riscos visando prevenir acidentes. Assim como outros programas de gestão, o PGR é um documento que define a política, as diretrizes e apresenta os diferentes documentos de controle para o permanente acompanhamento dos riscos associados a uma instalação ou atividade.
De modo geral, um PGR deve contemplar, entre outros, os seguintes aspectos:
Informações de segurança;
Procedimentos de análise, avaliação e revisão dos riscos;
Procedimentos operacionais;
Procedimentos de manutenção e garantia da integridade;
Gestão de mudanças;
Capacitação de recursos humanos;
Investigação de acidentes e incidentes;
Plano de Ação de Emergência (PAE);
Auditorias.
É importante observar que o Plano de Ação de Emergência (PAE), embora não seja um documento voltado para a prevenção de acidentes, mas sim para a intervenção quando da ocorrência de uma situação emergencial, é parte integrante do PGR.
O PAE deve ser elaborado considerando as hipóteses e os cenários acidentais identificados e avaliados no EAR, de forma que a estrutura organizacional de resposta, os procedimentos e recursos humanos e materiais, voltados para a pronta e eficaz intervenção numa situação emergencial, sejam compatíveis com o porte e a complexidade do evento a ser controlado.
Considerações gerais - É fato que nos últimos trinta anos o Brasil avançou muito nas questões relacionadas com a prevenção de acidentes maiores, implementando ações e documentos legais e normativos de indiscutível importância e que muito contribuíram para os avanços alcançados.
Ag. Estado
Recentemente, a ocorrência de um incêndio de grande porte num terminal marítimo de combustíveis e produtos químicos no Porto de Santos trouxe mais uma vez à tona discussões quanto à efetividade das ações voltadas para o gerenciamento de riscos e a capacidade de resposta aos acidentes maiores.
Independentemente das causas daquele incêndio e das ações de combate adotadas, o caso nos faz refletir e mais uma vez acumular experiência no sentido de aperfeiçoar as ações, tanto preventivas, quanto de intervenção nas emergências.
O que se observa atualmente é um sistema bastante rígido e detalhado no processo de elaboração do Estudo e Avaliação dos Riscos na fase de obtenção da licença ambiental para a instalação ou ampliação de um novo empreendimento. Em nosso entendimento, a adoção de rígidos critérios de avaliação de riscos é uma prática que tem se mostrado bastante assertiva, em que pese talvez até embutir certo exagero em determinados casos.
Por outro lado, o incidente no Porto de Santos nos faz questionar a efetividade prática dos PGRs no dia a dia das empresas, uma vez que estes são os instrumentos normativos que regem a política de prevenção de acidentes. Sem um controle adequado e a aplicação dos procedimentos previstos nestes planos, os mesmos acabam se tornando apenas meios para a obtenção de autorizações para funcionamento das empresas.
Funcionalidade - Por sua vez, os Planos de Ação de Emergência (PAEs), que, como visto, são partes integrantes dos PGRs, não podem ser documentos que, do ponto de vista prático, não funcionam ou simplesmente são esquecidos na hora de responder a uma emergência. Assim, há que se repensar em utilizar de forma realista os resultados dos Estudos de Análise de Riscos para a elaboração e efetiva aplicação dos Programas de Gerenciamento de Risco.
Os PAEs devem ser elaborados considerando as simulações matemáticas realizadas nos EARs durante as análises dos efeitos físicos decorrentes dos cenários acidentais. As distâncias de segurança devem ser consideradas nas ações de combate a incêndios e de isolamento/evacuação de áreas se for detectada a possibilidade de ocorrência de explosões ou emissões tóxicas. É importante que seja avaliada, também, a simultaneidade de eventos para que se evite o chamado “efeito dominó”.
Mas o que se observa na prática é que todos esses cálculos e simulações são minuciosamente estudados e avaliados no EAR, mas não são utilizados como referências para o dimensionamento dos recursos e das estratégias de combate às emergências.
A nosso ver, o novo desafio a ser enfrentado pelos órgãos ambientais é o acompanhamento da efetividade dos Programas de Gerenciamento de Riscos exigidos pela legislação vigente, mas, em muitos casos, pouco ou nada praticados no contexto real do dia a dia das empresas.
Em relação aos Planos de Ação de Emergência, se faz necessário que as normas e instruções técnicas sejam revistas para que levem em consideração os estudos de simulações dos diferentes tipos e portes de incêndios e de outros efeitos físicos. Tal medida será fundamental para que os sistemas de proteção e de resposta às emergências possam ser dimensionados realisticamente, considerando todos os detalhes e estudos realizados, mas não aplicados corretamente nos projetos e planos de resposta.
Bacharel em Química com Atribuições Tecnológicas, o autor
trabalhou durante 19 anos na Cetesb. Atualmente é diretor
executivo da ITSEMAP do Brasil Serviços Tecnológicos.
Contatos pelo e-mail rserpa.itsemap@inerco.com.