Nobel - Considerações sobre os prêmios para as áreas de Química e Medicina
Autor(a): Antonio Carlos Massabni e Filipe Boccato Payolla
Em 2015, o trabalho laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, conferido aos cientistas William C. Campbell, Satoshi Omura e Youyou Tu pelas pesquisas com as drogas avermectina e artemisinina, possui relação mais direta com a Química do que o próprio Nobel da área, vencido pelos pesquisadores Tomas Lindahl, Paul Modrich e Aziz Sancar pelo trabalho de mapeamento no nível molecular que demonstrou como as células “restauram” o DNA (ácido desoxirribonucleico) danificado e recuperam a informação genética.
As doenças causadas por parasitas desafiaram a ciência por milhares de anos e constituem o principal problema de saúde no mundo todo. Por afetarem principalmente as populações mais pobres, elas representam uma barreira a mais para proporcionar bem-estar para essas pessoas. Os ganhadores do Nobel de Fisiologia e Medicina desenvolveram terapias que revolucionaram o tratamento das doenças parasitárias mais devastadoras.
William C. Campbell e Satoshi Omura descobriram uma nova droga, a avermectina, cujos derivados baixaram radicalmente os índices de incidência das doenças oncocercose (popularmente chamada de “cegueira de rio”) e filariase linfática (conhecida como “elefantíase”). Além disso, essa droga se mostrou eficaz contra um grande número de outras doenças parasitárias.
A Figura 1 mostra a distribuição da oncocercose, da elefantíase e da malária pelo mundo todo (em azul escuro no mapa).
Fundação Nobel
Ao estudar bactérias do solo chamadas de Steptomyces, a partir de culturas produzidas pelo professor Omura, William C. Campbell, um irlandês especialista em biologia de parasitas que trabalha nos Estados Unidos, observou que um dos compostos era muito efetivo contra vermes domésticos e pecuários. O agente bioativo foi purificado e batizado de avermectina. Para torná-la mais eficaz, a avermectina foi quimicamente modificada, dando origem a um composto chamado de ivermectina. Testada em humanos, obteve bons resultados no combate às larvas de parasitas que causam a filariose. Em conjunto, as contribuições de Omura e Campbell serviram de guia para descobertas de drogas com enorme eficácia contra doenças parasitárias.
A malária era tradicionalmente tratada com cloroquina e quinino. No final dos anos 1960, tentativas para sua erradicação falharam e o número de casos estava aumentando. Nessa época, Youyou Tu se utilizou da medicina chinesa tradicional das ervas para enfrentar o desafio de desenvolver novas terapias contra a malária. Entre as muitas ervas utilizadas para o tratamento de animais infectados com a doença, o extrato de uma planta denominada Artemisia annua surgiu como um candidato promissor.
Entretanto, os resultados eram inconsistentes e Youyou Tu revisou literaturas mais antigas e descobriu algumas pistas que a guiaram em sua busca pela extração do composto ativo da Artemisia annua. Ela foi a primeira a mostrar que esse composto, posteriormente chamado de artemisinina (Figura 2), era muito eficaz contra o parasita da malária, tanto em animais como em humanos. A artemisinina representa uma nova classe de fármacos que rapidamente matam os parasitas ainda nos estágios de desenvolvimento, o que explica sua potencialidade sem precedentes no tratamento de casos graves dessa doença.
Figura 2: Revendo a literatura médica chinesa, Youyou Tu criou um processo que permitiu isolar a artemisinina, princípio ativo encontrado na planta Artemisia annua, eficaz no combate à malaria
As descobertas da avermectina e da artemisinina mudaram o tratamento de doenças parasitárias. Hoje, a ivermectina (derivado da avermectina) é usada em todas as regiões que sofrem com epidemias desses males. A ivermectina é muito eficiente contra um grande número de parasitas, tem poucos efeitos colaterais e é disponível em todo o mundo.
O tratamento está sendo tão bem sucedido que essas doenças poderão ser erradicadas, o que seria um grande feito na história da medicina. A malária infecta mais de 200 milhões de pessoas anualmente. Quando usada em terapia combinada, estima-se que ocorra a redução de mais de 20% dos casos em que essa doença é fatal na população em geral e mais de 30% em crianças. Isso significa que, só na África, 100 mil vidas são salvas todos os anos.
Química – O prêmio foi concedido ao sueco Tomas Lindahl, ao americano Paul Modrich e ao turco Aziz Sancar por terem mapeado e explicado como a célula repara o DNA que contém e assim preserva sua informação genética, o que certamente será utilizado para o desenvolvimento de novos tratamentos do câncer.
Frequentemente, o nosso DNA sofre danos por causa da radiação ultravioleta, dos radicais livres e de substâncias carcinogênicas. Além disso, danos podem também acontecer quando o DNA é replicado durante a divisão celular, um processo que ocorre milhões de vezes diariamente no corpo humano.
Nosso material genético não se “desintegra” porque um hospedeiro dos sistemas moleculares continuamente monitora e restaura o DNA. O trabalho pioneiro dos três cientistas laureados mapeou como vários destes sistemas de restauração funcionam detalhadamente no nível molecular.
Até o início da década de 1970, os cientistas acreditavam que o DNA era uma molécula extremamente estável, que não sofria danos em sua estrutura. Porém, Tomas Lindahl demonstrou que o DNA se decompõe a uma velocidade que poderia tornar a vida na Terra impossível. Esta ideia o levou a descobrir uma “máquina” molecular que impede o colapso do nosso DNA.
Aziz Sancar mapeou a restauração do DNA nucleotídeo, que é o mecanismo utilizado pelas células para recuperar o dano causado ao DNA pela radiação ultravioleta. As pessoas que nascem com defeito nesse sistema restaurador vão desenvolver câncer de pele se forem expostas à radiação solar. As células podem também usar esse sistema restaurador para corrigir defeitos causados por substâncias mutagênicas.
Por sua vez, Paul Modrich demonstrou como as células corrigem “erros” quando o DNA é “replicado” durante a divisão celular. Este mecanismo é capaz de reduzir a frequência de erros durante o processo de replicação do DNA em cerca de mil vezes.
Antonio Carlos Massabni é professor do curso de pós-graduação em Biotecnologia em Medicina Regenerativa e Química Medicinal da Uniara e professor titular aposentado do Instituto de Química da Unesp de
Araraquara. Contatos: amassabni@uol.com.br
Filipe Boccato Payolla é doutorando em Biotecnologia em Medicina Regenerativa e Química Medicinal da Uniara.
Contatos: payolla.filipe@gmail.com