Em dezembro do ano passado, repercutiu em veículos de comunicação e nas redes sociais uma suposta descoberta que teria sido feita por um estudante – o Informativo optou por omitir seu nome –, matriculado no 3º ano do Ensino Médio no Colégio Militar da Polícia Militar “Waldocke Fricke de Lira”, situado em Manaus (AM).
Segundo uma reportagem do jornal A Crítica, da mesma cidade, o jovem teria criado uma fórmula química para encontrar o NOx de um metal eletrolisado, a massa eletrolisada ou a massa atômica do mesmo. Ainda de acordo com a publicação, a fórmula foi registrada em cartório e encaminhada para avaliação da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac).
Jonas Gonçalves
Oliveira leciona no IQ da Unesp de Araraquara
A história, porém, não é bem essa, conforme disse ao Informativo o professor Luiz Antonio Andrade de Oliveira, do Departamento de Química Geral e Inorgânica do Instituto de Química da Unesp, em Araraquara. Segundo ele, “não há nenhuma novidade na suposta descoberta. Esse assunto foi tratado inicialmente por Michael Faraday em trabalho publicado no ano de 1834. Naquela época, enfrentando as dificuldades experimentais relacionadas com a medida de quantidade de eletricidade que percorre um circuito elétrico, e com base nos conceitos derivados do modelo de átomo indivisível vigente, Faraday formulou duas leis, que são as bases da eletrólise”, lembrou Oliveira.
Nessas duas leis, explicou o professor, são relacionadas as quantidades de substâncias depositadas ou desprendidas nos eletrodos, em decorrência da passagem de corrente elétrica através de uma solução ou massa fundida da substância sendo eletrolisada (“M”, na nomenclatura adotada pelo estudante), com a quantidade de eletricidade (“q”) passada pelo circuito (não levada em consideração ou entendida como constante por Kelvin) e com o equivalente químico (“E”) da substância depositada ou desprendida no processo.
Oliveira ressaltou que assistiu ao vídeo produzido pelo jornal A Crítica, incluído na reportagem, e apontou que o estudante não menciona a carga elétrica que circula pelo circuito. “Obviamente, para um mesmo sistema, se a carga (q/F) for dobrada, por exemplo, a massa depositada/liberada no processo deverá dobrar também. Assim, embora ele não mencione, está implícito que a carga total que circulou nos diferentes sistemas está sendo considerada constante. Logo, vê-se facilmente que, quando se tiver eletrólise de diferentes sistemas químicos por uma mesma quantidade de carga q/F, as massas depositadas M serão proporcionais a A (expressa em gramas)/NOx”, explicou.
Portanto, disse o professor da Unesp, a fórmula proposta pelo estudante de Manaus como uma ‘nova descoberta’, na realidade não passa de uma simples aplicação da 2ª Lei de Faraday, para sistemas diferentes eletrolisados por uma mesma quantidade de carga q/F = 1/10 = 0,1 = constante, introduzida arbitrariamente pelo aluno.
“Não quero acreditar que o aluno, aparentemente bastante dedicado ao estudo, tenha tido uma atitude intencional de plágio”, ponderou o professor Luiz Antonio Andrade de Oliveira.
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As “Leis de Faraday”
1ª) A quantidade de elementos separados pela passagem de uma corrente elétrica através de um sal dissolvido ou fundido (M) é proporcional à quantidade de carga elétrica que passou pelo circuito (q), onde k1 é uma constante característica da substância sofrendo eletrólise;
M é proporcional a q
M = k1 q (onde k1 é uma constante característica da substância sofrendo eletrólise)
2ª) Quando a mesma quantidade de corrente elétrica (q) é passada por diferentes eletrólitos/elementos, as massas de substâncias liberadas/depositadas nos eletrodos são diretamente proporcionais às suas massas equivalentes (E).
M é proporcional ao peso equivalente da substância depositado, ou liberada, no eletrodo (E)
M = k2 E (onde k2 é outra constante característica do sistema em estudo).
Na época de Faraday, o conceito de massa equivalente E era baseado em reações químicas, representando a massa do elemento químico em questão, que reagia com uma quantidade fixa de uma substância tomada como padrão. Atualmente, com base no modelo de átomo divisível, formado por um núcleo positivo (prótons) circundado por cargas negativas (elétrons), somado ao conceito de mol (6,02 x 1023), as Leis de Faraday para a eletrólise podem ser resumidas na equação que se segue:
M = (q * E)/ F
E = massa molar da substância depositada, ou liberada / Número de elétrons envolvido no processo = massa atômica A expressa em gramas / NOx = A (em g)/NOx, onde NOx simboliza a variação do número de oxidação envolvida no processo ocorrido em um dado eletrodo do circuito.
F = constante de Faraday, igual a 96.500 coulomb (carga elétrica transportada por um mol de elétrons)
q = carga elétrica que circulou pelo sistema submetido ao processo
Rearranjando a equação anterior, temos:
M (em gramas) = (q/F) * [A (expressa em gramas)/NOx]