Difusão - Movimento defende acesso livre às publicações científicas
Principal argumento é que grande parte dos estudos é feita com dinheiro público
O acesso a 80% dos artigos científicos publicados atualmente no mundo é dificultado pelo chamado paywall, sistema usado pelas grandes editoras para restringir o conteúdo de suas revistas aos assinantes.
Há, no entanto, um movimento pelo acesso aberto universal ao conhecimento científico que tem se fortalecido nos últimos anos e diversas iniciativas, com diferentes abordagens, têm surgido.
Representantes de cinco importantes iniciativas que visam revolucionar o sistema de publicação acadêmica estiveram reunidos em São Paulo, no dia 1º de maio, para trocar experiências e alinhar estratégias. O encontro ocorreu paralelamente à 8ª Reunião Anual do Global Research Council (GRC), organização que reúne as principais agências de fomento à pesquisa do mundo.
“Todos compartilhamos os mesmos princípios. Entendemos que o conhecimento científico é um bem comum, pois foi financiado com dinheiro público. Portanto, o acesso a esse conteúdo deve ser um direito”, disse Marc Schiltz, presidente da Science Europe, organização que congrega diversas instituições europeias que financiam e realizam pesquisa.
O objetivo comum do grupo, segundo Schiltz, é alcançar o acesso aberto universal e imediato às publicações acadêmicas, ou seja, sem período de embargo. Outro princípio defendido é que o conhecimento publicado tenha licença aberta, podendo ser reutilizado por outras pessoas sem pagamento de royalties. “A reunião do GRC é uma excelente oportunidade de encontrar financiadores de diversos países e de promover a nossa agenda”, disse.
Na abertura do workshop, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, afirmou que a Fundação tem se preocupado com o tema desde pelo menos 1997, quando teve início o projeto Scientific Electronic Library Online (SciELO). “Não ousaria dizer que inventamos o conceito de acesso aberto, mas fazemos parte desse movimento desde seus primeiros dias”, afirmou.
Representando o SciELO no evento estava o diretor e cofundador do programa, Abel Packer. “Somos uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos em todos os campos do conhecimento. A maior parte da coleção é financiada pelo sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Publicamos em torno de 15 mil artigos por ano e temos um repositório digital com 800 mil artigos. Nosso maior interesse é a visibilidade das publicações. Temos um sistema para medir citações e downloads”, explicou.
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“Precisamos assumir a responsabilidade de nosso papel no sistema acadêmico”, argumenta Sweeney
Outra iniciativa apresentada foi o Plan S, apoiado por um consórcio internacional de financiadores de pesquisa chamado cOAllition S. Entre os idealizadores está a Science Europe. O grupo propõe que, a partir de 2020, as publicações científicas oriundas de pesquisa financiada com recursos públicos sejam necessariamente divulgadas em periódicos ou plataformas de acesso aberto. Isso significa que – caso grandes editoras não se adaptem aos novos tempos – revistas hoje consideradas padrão-ouro deixarão de ser a primeira opção dos pesquisadores.
Representando o Plan S no encontro esteve David Sweeney, presidente da Research England. “Nós, financiadores de pesquisa, não podemos resolver sozinhos a questão do acesso aberto, mas somos um elemento essencial e precisamos trabalhar juntos, assumir a responsabilidade de nosso papel no sistema acadêmico. Não é possível lidar com essa questão sem considerar as implicações na avaliação de pesquisas”, disse.
Colleen Campbell, da Max Planck Digital Library, apresentou a Open Access 2020 Initiative. A estratégia principal do grupo é promover os transformative agreements (acordos de transformação). A ideia é realocar os mesmos recursos hoje gastos com a assinatura de periódicos para apoiar modelos de negócio sustentáveis de acesso aberto. A mesma fonte que hoje financia a assinatura da revista passaria a financiar a publicação no modelo de acesso aberto.
Arianna Becerril, diretora da Rede de Revistas Científicas da América Latina e Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc) – uma biblioteca digital que adota modelo parecido com o do SciELO – apresentou a AmeliCA, iniciativa voltada a promover o conhecimento aberto para a América Latina e o Sul global. Molapo Qhobela, da África do Sul, apresentou por sua vez a African Open Science Platform.
Schiltz anunciou no final do workshop que as cinco iniciativas elaboraram em conjunto uma declaração de princípios para orientar os integrantes do movimento pelo acesso aberto e alinhar as diferentes estratégias. O documento em breve estará disponível no site da Science Europe.
“Vivemos um momento em que a possibilidade de virar o sistema de publicação acadêmica na direção do acesso aberto está ao alcance. O sistema atual está se tornando insustentável. Há uma enorme quantidade de dinheiro público sendo absorvida para pagar assinaturas de jornais, sendo que os resultados publicados também foram produzidos com dinheiro público. Esses movimentos representam um sinal de que a comunidade científica está disposta a reaver o controle do sistema de publicação”, disse Schiltz.