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Jul/Ago 2019 

 


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Fosfoetanolamina - Criador da pílula do câncer morre aos 75 anos


Geraldo Magela/Agência Senado


O Químico Gilberto Orivaldo Chierice, que liderou o grupo de pesquisa responsável pelo desenvolvimento da fosfoetanolamina sintética, conhecida nacionalmente como a “pílula do câncer”, morreu no último dia 19 de julho, aos 75 anos, em São José do Rio Preto, onde estava internado devido a problemas cardíacos. O corpo do professor aposentado da USP foi sepultado em São Carlos, cidade onde residia. Ele deixou esposa, dois filhos e quatro netos.

 

Natural de Rincão, no interior paulista, Chierice teve trabalhos de pesquisa reconhecidos muito antes de a fosfoetanolamina causar polêmica, em 2015, por sua distribuição no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, que já era feita havia cerca de 20 anos. Graduado em 1969 pela então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (atual Unesp), obteve o mestrado em 1973 e o doutorado seis anos depois pela USP da Capital. Entretanto, já em 1976, ingressou no quadro de docentes do IQSC, onde atuou até 2013.
 

Ainda na década de 1980, Gilberto Chierice, que coordenava o Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros do IQSC, desenvolveu um polímero a partir do óleo de mamona com o objetivo de oferecer uma alternativa ao silicone para a fabricação de próteses e outras aplicações. Por conta dessa descoberta, em 1995 a revista Superinteressante incluiu Chierice numa lista dos maiores pesquisadores brasileiros de todos os tempos.
 

O custo mais baixo do material e a ausência de rejeição por parte dos pacientes foram determinantes para que, em 2003, a agência dos EUA responsável pela regulação de alimentos e medicamentos (FDA) autorizasse o uso do polímero naquele país, o que conferiu inegável notoriedade ao trabalho do pesquisador.
 

Porém, nenhum dos trabalhos de Gilberto Chierice seria tão conhecido pelo grande público quanto o da fosfoetanolamina sintética, um composto feito com base em monoetanolamina e ácido fosfórico. Por meio de um convênio firmado em 1995, o grupo de pesquisa que ele liderava no IQSC passou a enviar pílulas da substância para testes em pacientes do Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, referência em oncologia, como potencial fármaco para o tratamento de diversos tipos de câncer.
 

Segundo declarou Chierice em entrevista ao Informativo em dezembro de 2015, cerca de cinco anos depois de iniciado, o convênio foi abandonado pelo hospital sem justificativas. A partir de então, os médicos que trabalharam na pesquisa começaram a recomendar aos pacientes que fossem retirar as pílulas diretamente no Instituto de Química da USP, em São Carlos. E isso foi feito por aproximadamente quinze anos, sem qualquer impedimento por parte da universidade.
 

Tudo mudou em junho de 2014, quando uma portaria do IQSC determinou que drogas com finalidade medicamentosa poderiam ser distribuídas nas dependências da unidade apenas com autorização prévia dos órgãos competentes e da própria direção da instituição.
 

Como a fosfoetanolamina não dispunha de aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou do Ministério da Saúde, sua distribuição foi suspensa. Isto fez com que vários de seus usuários recorressem à Justiça, exigindo do IQSC-USP a liberação. As demandas se multiplicaram até que, em 2015, o caso passou a ter repercussão nacional, com direito a manifestações contra a proibição e reportagens em diversos veículos de mídia. Também foram realizadas audiências públicas no Senado, nas quais o próprio Gilberto Chierice e integrantes do seu grupo de pesquisa puderam apresentar todo o histórico do estudo e os resultados alcançados até então.

Arquivo


A pressão popular foi tanta que políticos de vários partidos viram na história uma possibilidade de ganhar dividendos. Em 2016 e em tempo recorde, a Câmara dos Deputados e depois o Senado aprovaram o projeto que autorizava o uso da “pílula do câncer”. Em 14 de abril daquele ano, numa decisão de caráter político e que objetivou evitar mais desgastes na reta final da votação de seu impeachment, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a lei autorizando o tratamento com a fosfoetanolamina sintética, antes mesmo de a droga obter registro sanitário. De acordo com o texto, o composto poderia ser usado desde que o paciente apresentasse laudo médico comprovando o diagnóstico de câncer e assinasse um termo de responsabilidade.

 

Recomendada pela Casa Civil, a sanção ignorou pareceres técnicos feitos pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Saúde, Ciência e Tecnologia, além da Anvisa. Entidades médicas também haviam se posicionado contra e até ameaçaram punir os profissionais que receitassem a fosfoetanolamina.

 

Em 19 de maio, o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar pedida numa Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira e suspendeu o direito de uso da droga.

Paralelamente, Chierice passou a ser processado pela USP. Primeiro a instituição o denunciou por prática de curandeirismo e depois tentou cassar sua aposentadoria. Segundo noticiou em 2017 o site Consultor Jurídico, os dois processos não prosperaram.

 

Confira o histórico da fosfoetanolamina relatado em edições anteriores do Informativo no link www.crq4.org.br/morre_chierice.

 


Testes com a droga foram retomados

 

O falecimento de Gilberto Chierice ocorreu em meio à retomada das pesquisas com o composto, feita no último dia 17 de junho pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM/UFC), que iniciou testes com humanos sadios, custeados pelo governo federal.
 

De acordo com o professor Odorico de Moraes, diretor do NPDM, o estudo conta com a participação de 64 voluntários, com idades entre 18 e 50 anos. Os objetivos são avaliar a dosagem máxima de tratamento, verificar possíveis efeitos colaterais e realizar o estudo farmacocinético, ou seja, observar quanto tempo a substância leva para ser absorvida e quanto tempo permanece circulando no organismo.

 

O ensaio clínico, ainda em sua primeira fase, foi solicitado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) como uma continuação dos testes iniciados em 2016, feitos in vitro (em cultura de células tumorais) e in vivo (em animais portadores de câncer). O ensaio não irá avaliar possível atividade antitumoral da fosfoetanolamina. Após o término da Fase I, a participação do NPDM no estudo da substância será encerrada, disse Moraes.


 





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