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Jan/Fev 2020 

 


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Entrevista - A nanotecnologia que nos cerca
Autor(a): Janes Rocha - Jornal da Ciência


Protetores solares, cremes, fármacos. A nanotecnologia já está sendo aplicada na produção de itens como estes, mas também em diversos produtos do nosso dia a dia. Equipamentos eletrônicos (telefones celulares, “players” de música, televisores e telas de alta definição), sistemas de iluminação e de sensoriamento/tratamento de água são alguns exemplos citados pelo professor Oswaldo Luiz Alves para demonstrar a proximidade da nanotecnologia.

“A lista é grande”, avisa Alves, um dos maiores especialistas brasileiros em nanotecnologia. Professor titular e decano do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 45 anos de docência Alves orientou mais de 50 mestrados e doutorados. Pesquisador 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ele é autor de mais de 250 artigos publicados em periódicos científicos, os quais totalizam mais de 8.600 citações, além de ter mais de 25 patentes depositadas, sendo 7 internacionais, 5 concedidas e uma licenciada, esta última referente a uma tecnologia voltada à remediação de efluentes de indústrias papeleiras e têxteis. Em 2005, Alves ganhou o Prêmio Fritz Feigl, concedido pelo CRQ-IV.

Segundo ele, que fundou e coordena o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES), na Unicamp, hoje o Brasil está bem posicionado na pesquisa da área, porém ainda existe um “gap” importante na passagem desse conhecimento para utilização pelas empresas. Confira os principais trechos de uma entrevista que Alves concedeu recentemente ao Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.


Jornal da Ciência

Um dos pioneiros nos estudos nessa área, Alves comenta o estágio em que se encontra a nanotecnologia e adverte para os riscos da queda de investimentos

Como surgiu seu interesse por nanotecnologia?

Quando participei do Projeto Fibras Ópticas, financiado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) da Telebrás, e recebemos a demanda para produzir vidros especiais, dopados com “quantum dots”, para aplicação em telecomunicações ópticas. Estávamos no final dos anos 1980. O trabalho foi publicado na prestigiosa revista Applied Physics Letters e, de lá para cá, continuamos a trabalhar mais e mais com a nanotecnologia.

Durante a 71ª Reunião Anual da SBPC (em julho, em Campo Grande-MS), o senhor disse que, embora pareça distante, a nanotecnologia já está em ação, possui diversas aplicações que facilitam o dia a dia e que já é utilizada em vários produtos. Pode citar alguns exemplos?

Na verdade, existem várias nanotecnologias que são aplicadas nos mais diferentes setores científicos e industriais. Com relação às aplicações mais próximas do dia a dia, podemos citar a área de cosméticos, onde temos os protetores solares e cremes dermatológicos; equipamentos eletrônicos, tais como telefones celulares, players de música, televisores e telas de alta definição; medicamentos – vacinas, formulações de produtos oncológicos e drug delivery (sistemas concebidos para a entrega eficaz de moléculas terapêuticas em variados alvos); sistemas de iluminação em geral (LED); de tratamento e sensoriamento de água e gases; remediação ambiental de efluentes industriais; próteses e órteses, entre outros. A lista é muito grande e existem produtos fabricados no Brasil e importados.

Conte um pouco sobre como surgiu a nanotecnologia no Brasil.

A história é muito longa. Resumindo, no final dos anos 1980, alguns grupos de pesquisa no Brasil trabalhavam com pequeníssimas estruturas (algumas dezenas de nanômetros, lembrando que 1 nanômetro equivale ao bilionésimo do metro, algo 70 mil vezes menor do que o diâmetro de um fio de cabelo). Naquela época não se chamava nanotecnologia, mas sim sistemas mesoscópicos. Nossa contribuição estava ligada ao estudo de semicondutores nanoestruturados para aplicações ópticas.

Pixabay

Os nanomateriais, como nanotubos de carbono, são o “coração” dessa nova tecnologia

Havia infraestrutura para esse tipo de pesquisa?

Desde o início da utilização do termo nanotecnologia (final dos anos 1990) e do seu consequente interesse pelos diferentes grupos de pesquisa nacionais, sempre vivenciamos uma situação muito interessante. De fato, rapidamente começamos a publicar internacionalmente, o que causava certa perplexidade em alguns colegas estrangeiros. O que aconteceu foi que, naquele momento, o Brasil já tinha uma razoável infraestrutura de pesquisa que podia ser apropriada pela nanotecnologia, derivada de vários programas de pesquisa anteriores, tais como o “Programa de Materiais Avançados”, o “Programa de Química para Materiais Eletrônicos” e o “Programa de Novos Materiais”, entre outros. A evolução continuou, com altos e baixos, muito em função da questão do financiamento.

Como o País está posicionado hoje?

Podemos dizer que o Brasil está bem posicionado, com muita atividade, sobretudo em pesquisa básica, com um nível de publicação relevante e atuando em várias temáticas de fronteira. Não temos dúvidas de que poderíamos estar mais longe. Todavia, isto não aconteceu devido a uma situação bastante conhecida da comunidade científica brasileira: as descontinuidades do financiamento. O sistema SisNano (Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias), recentemente encerrado, permitiu durante os últimos cinco anos (2013-2018) um avanço destacado de vários Laboratórios Estratégicos e Associados.

Quais as áreas em que o País está mais desenvolvido?

Vale lembrar que o “coração” das nanotecnologias são as famílias de nanomateriais. Dentre elas, temos os “novos carbonos” (nanotubos de carbono, fulerenos, carbon-dots), nanotubos inorgânicos, nanopartículas metálicas, materiais 2D, nanocelulose. Todas elas têm papel importante tanto para ciência básica quanto para a ciência aplicada. Em todas essas especialidades existem grupos de pesquisa com alto grau de competência atuando no País. É bem verdade que muitos deles têm um diálogo ainda bastante tímido com os diferentes setores industriais brasileiros, a despeito de várias iniciativas de aproximação e programas de pesquisa conjuntos. Também foram feitos avanços importantes nas áreas de nanomedicina, desenvolvimento de agentes antibacterianos e nanotoxicologia, que têm levado a publicações internacionais seminais nestes segmentos.

Pixabay

Players de música são exemplos de produtos do dia a dia que evoluíram por conta da nanotecnologia

Em quais há potencial para desenvolver mais?

Certamente existem várias áreas que podem apresentar elevado potencial de desenvolvimento em função da presença de diferenciais competitivos importantes, como nas especialidades químicas (tintas, revestimentos e catalisadores); petróleo e gás (processamento) e recursos naturais sustentáveis (insumos para materiais nanotecnológicos), entre outros. Vale destacar as áreas de nanotoxicologia e nanossegurança, pois dependem delas, dentro da perspectiva da regulação, a efetiva possibilidade para a comercialização dos produtos que “embarcam” as nanotecnologias.

Qual a relação/impacto do projeto Sirius(*) com a nanotecnologia?

Tem tudo a ver. A conexão é exatamente os nanomateriais. As facilidades que teremos disponibilizadas para a caracterização das nanoestruturas, suas propriedades e aplicações estarão, simplesmente, no estado da arte. Não tenho dúvidas de que a operação deste laboratório “mega science” levará a ciência e a pesquisa científica brasileira a um novo patamar de protagonismo mundial, propiciando uma fertilização cruzada entre Química, Física, Biologia, Medicina e Engenharia. As nanotecnologias serão potencializadas na solução de problemas de energia, meio ambiente, agricultura, novos materiais e materiais multifuncionais, desenvolvimento de nanofármacos e sistemas de drug delivery, desenvolvimento de catalisadores e outros no limite de nossa criatividade.

(*) O Projeto Sirius, administrado pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, instalado em Campinas (SP), é a nova fonte de luz síncrotron brasileira. Quando estiver concluído, em 2021, será a mais complexa infraestrutura científica já construída no País e planejado para colocar o Brasil na liderança mundial de produção desse tipo de tecnologia.

A solução para os desafios enfrentados pelo Brasil e por outros países em áreas como energia, saúde e meio ambiente exige o conhecimento de como as coisas funcionam na escala dos átomos e moléculas. É isso que permite o desenvolvimento de materiais mais leves e resistentes, melhores fármacos, fertilizantes mais eficientes, alimentos mais nutritivos, fontes de energia renováveis e de processos industriais menos poluentes.

Saiba mais em www.lnls.cnpem.br/sirius/

Como as empresas brasileiras estão absorvendo essa nova tecnologia?

As possibilidades das nanotecnologias ainda não são bem conhecidas pela maioria das empresas brasileiras. A interlocução ainda apresenta dificuldades de compreensão técnico-científica, lembrando que se trata de uma tecnologia disruptiva e que tem quebrado muitos paradigmas. As questões de insegurança jurídica estão sempre presentes, dado que ainda não termos, pelo menos em nosso País, um robusto processo de regulação. Não obstante, temos vários casos de sucesso de empresas brasileiras que estão apostando e fazendo investimentos nas nanotecnologias, procurando ficar bem posicionadas para o momento em que essas atividades venham a ser reguladas. Algumas delas já comercializam seus produtos no exterior, submetendo-se às normas e regulações internacionais, tais como as normas da OCDE e o Tratado Reach, que vigora em todo o território europeu.

Como a crise do financiamento da Ciência e Tecnologia afeta o desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil?

De uma maneira preocupante. O “Programa Nacional SisNano”, principal indutor da nanotecnologia no Brasil, abriu este ano um edital com o valor de R$ 6 milhões para financiar Laboratórios Estratégicos e Laboratórios Associados. Guardadas as proporções, o programa nacional americano destinou US$ 1,4 bilhão em 2019. É difícil comentar esses números, mas fica aqui o dado da realidade. A redução drástica de investimentos acaba por ter efeitos letais para o desenvolvimento das nanotecnologias, como da Ciência, Tecnologia & Inovação do País como um todo.

Quais as consequências?

Experimentos em andamento são interrompidos por falta de recursos para manutenção e aquisição de insumos, laboratórios e equipamentos começam a ficar sucateados, a população dos laboratórios diminui, comprometendo suas atividades e projetos. O pior de tudo: nossos alunos mais talentosos formados e treinados no País acabam indo para laboratórios no exterior, que normalmente têm políticas agressivas de contratação de pessoal e melhores condições para desenvolver atividades de CT&I. Em muitos casos, verifica-se a transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos pioneiros para fora do País. Vivenciei esta situação pessoal e recentemente e posso testemunhar que ela é altamente frustrante.





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