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Artigo - Complexos de platina contra o câncer
Autor(a): Por Ana Paula Kawabe de Lima Ferreira e Antonio Carlos Massabni


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O descobrimento da platina

Derivado do nome espanhol plata (prata), a platina foi descoberta no século XVI pelos espanhóis, mas já era conhecida na Colômbia há muito tempo. Em busca de ouro, os espanhóis encontraram nas Américas o ouro misturado a um metal branco, semelhante à prata. Não era muito utilizada pelos espanhóis por causa da sua dureza quando formava ligas com ouro e prata para a confecção de joias, além da dificuldade de separação do ouro. Nos tempos da colonização espanhola, os índios colombianos retiravam a platina dos rios, mas logo a devolviam por acharem ser este metal um precursor do ouro “não amadurecido”. No Peru, foram encontrados muitos ornamentos de platina. Os espanhóis confeccionavam moedas de platina e as banhavam a ouro, “falsificando-as”. O caixão de Thebes na antiga Grécia, 700 a. C., foi decorado com prata, ouro e uma liga contendo platina. A platina também foi usada na confecção de joias egípcias. Na Europa surgiu, em 1557, a primeira referência ao metal nos escritos de Julius Caesar Scaliger, que diziam ser a platina um metal de difícil fusão [SILVA; GUERRA, 2010].

Ao espanhol Antonio de Ulloa, em 1735, é atribuído o descobrimento da platina, pois foi o primeiro a informar à comunidade científica sobre a existência do metal na América do Sul. Segundo seus relatos, a platina era um metal a ser descartado, pois era de alta dureza, não podia ser calcinada e não podia ser extraída, a não ser com alto custo. A platina não despertou muito interesse, pois todos estavam interessados no ouro, o metal precioso da época. Como nas minas colombianas de Condoto-Chocó e Barbacoas-Nariño a platina e o ouro eram encontrados juntos, mas a quantidade de ouro era muito pequena, estas foram fechadas por não serem rentáveis [FÚQUENE, 2015a].

Em 1778, os franceses Chavaneaux e Proust realizaram vários processos de investigação e descobriram uma forma de extração da platina do mineral de platina enegrecido. Primeiramente, o metal era submetido ao ataque com água régia, posteriormente precipitado na forma de cloroplatinato de amônio, seguido de tratamento térmico do sal obtido e, por fim, na siderurgia, eram produzidas barras do metal com suas propriedades características. Assim, a platina ganhou valor comercial [FÚQUENE, 2015a].

Entre 1788 e 1805, ocorreu o apogeu do período exploratório da platina pela Espanha. O país monopolizou a exportação, o envio, o refino e a comercialização da platina na Europa até que, em 1808, ocorreu a invasão francesa. Nessa época, França e Inglaterra se uniram com interesse de investigação de outros elementos do grupo da platina [FÚQUENE, 2015a].

Em 1802, foram obtidas as primeiras amostras puras de platina pelos ingleses Wollaston e Tennant, que refinaram o metal. Nessa pesquisa, Wollaston conseguiu descobrir o paládio e o ródio e desenvolveu um processo de produção de platina maleável para substituir o ouro em aplicações que exigiam a presença de um metal inerte. A produção da platina maleável, financiada por Tennant, gerou lucro aos dois pesquisadores, que eram sócios em uma indústria química [FÚQUENE, 2015a; SILVA; GUERRA, 2010].

Em 1819, a platina foi descoberta nos Urais, na Rússia, onde as propriedades do metal já eram bem conhecidas. O metal branco (platina) que vinha junto com o ouro encontrado em minerais na Colômbia foi comparado com os metais obtidos em minerais encontrados na Rússia. Os minerais da Rússia possuíam maior teor de platina do que os encontrados na Colômbia, passando aquele país a liderar a exploração, o refino e a comercialização da platina a partir de 1824, controlando 90% do mercado mundial [FÚQUENE, 2015b; SILVA; GUERRA, 2010].

 

Ocorrência

A platina é um metal nobre e escasso na crosta terrestre (5μg/kg). As maiores jazidas do minério encontram-se na África do Sul (75%), Rússia e Canadá. A principal fonte de extração do metal é o minério sperrilita (PtAs2) [SILVA; GUERRA, 2010].

Atualmente, os maiores produtores de platina do mundo são África do Sul, Rússia, Zimbábue e Canadá. O maior depósito do mundo desse metal é o Complexo de Bushveld, na África do Sul, com 80% da sperrilita. Outros grandes depósitos são o de Sudbury, em Ontário, no Canadá, e o Norilsk-Talnakh, na Sibéria, Rússia. Há também um depósito menor nos EUA, o Complexo de Stillwater, em Montana. Todos os minérios de platina contêm quantidades de minérios sulfurados de cobre e níquel [ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA ON-LINE, 2018].

 

Características físicas e químicas do metal

A platina e outros metais que pertencem ao mesmo grupo (rutênio, ródio, paládio, ósmio e irídio) são sólidos à temperatura ambiente e possuem cor acinzentada. Todos possuem alto ponto de fusão, alta resistência ao calor e à corrosão. A platina suporta ataques ácidos, exceto de água régia, formando o ácido hexacloroplatínico: H2[PtCl6]. Possui 6 isótopos naturais: 190Pt (0,01%), 192Pt (0,78%), 194Pt (32,97%), 195Pt (33,83%), 196Pt (25,24%) e 198Pt (7,16%), estados de oxidação que vão de 0 a +6, sendo +2 e +4 os mais comuns. Reage com flúor e oxigênio em altas temperaturas, formando PtF6 e PtO3, respectivamente [SILVA; GUERRA, 2010].

Em 1813, Thenard classificou a platina como integrante do grupo 6 de metais, onde estão também a prata, o paládio, o ródio, o ouro e o irídio, devido à baixa reatividade com oxigênio e água. Em 1816, Ampère incluiu a platina no grupo dos "chroicolytes” que são metais que formam ácidos clorados. Nesse grupo também estão o ouro, o paládio e o ródio. Em 1829, Despretz colocou a platina junto ao ródio, incluindo como critério de seleção as propriedades isomórficas, a resistência ao ataque ácido, a estabilidade dos sais formados e a precipitação com ácido sulfídrico. Em 1845, Hoefersinseriu a platina no grupo dos metais auráceos, baseado nas propriedades isomórficas, onde estavam também o ouro, a prata, o paládio, o ródio, o irídio e o ósmio [FÚQUENE, 2015b].

Um dos problemas da mineração eram as explosões das minas de carvão, devido à presença de gás metano que entrava em contato com a chama das velas de ignição usadas para iluminação. A platina despertou interesse dos mineradores, pois produzia luz sem a necessidade de chama. Ao submeter um fino fio de platina a altas temperaturas, dentro de uma lâmpada, a parte mais quente do fio permanecia acesa durante alguns minutos. Em atmosfera de oxigênio e gás carbônico, produzia quantidade de calor suficiente para manter a chama acesa sem ser inflamável. O mesmo experimento foi reproduzido com outros metais, mas só se observou o mesmo comportamento com o paládio, surgindo assim o princípio da catálise, processo segundo o qual as reações são aceleradas em temperaturas mais baixas [MCDONALD; HUNT, 1982].

Em 1820, Edmund Davy utilizou platina finamente dividida para converter álcool em ácido acético, à temperatura ambiente, sem que a platina sofresse qualquer tipo de alteração, podendo ser usada novamente no mesmo tipo de reação. Em 1824, ao saturar um chumaço de algodão em álcool e deixar cair uma gota de cloroplatinato de amônio, imediatamente apareceu uma coloração vermelha, até que o álcool fosse completamente consumido. Este experimento deu origem às lâmpadas de Döbereiner [MCDONALD; HUNT, 1982].

Em 1836, Berzelius propôs o conceito de catálise, após utilizar a platina em algumas reações. Empregou o termo “catalisador” para uma substância que pode produzir uma atividade química, denominada “poder catalítico”, pois tinha a capacidade de despertar afinidades, que antes “dormiam”, sob a mesma temperatura, apenas por sua presença e não pela afinidade com os reagentes [FÚQUENE, 2015a; MCDONALD; HUNT, 1982].

Atualmente, a maior utilização da platina é na fabricação de catalisadores automotivos, 80% na forma de ligas metálicas Pt/Rd suportadas em matriz cerâmica, indústria petroquímica, 14% na indústria química (para fabricação de medicamentos, células a combustível e materiais odontológicos), 4% na indústria de vidro e fibra e 2% em outras aplicações. Como catalisador, é usada na produção de ácido nítrico, na obtenção de hidrogênio como combustível, na obtenção de ácido cianídrico e na produção de hidrocarbonetos saturados e em células a combustível. Pode ser usada também para produção de equipamentos de laboratórios, como cadinhos, eletrodos e válvulas termoiônicas. A liga Cr3Pt é usada em revestimento de navalhas para maior durabilidade do corte. Há, ainda, ligas de platina que são usadas na Odontologia, em próteses e órteses [SILVA; GUERRA, 2010].

 

Usos da platina na Medicina

O câncer é uma doença que se espalha com crescimento desordenado de células que invadem os tecidos e os órgãos, podendo gerar metástases pelo organismo. Essas células se dividem rapidamente, formando um acúmulo de células cancerosas ou neoplasias malignas. O tumor benigno é uma massa cancerosa localizada com replicação lenta, semelhante ao tecido original. Os possíveis tratamentos para o câncer são a radioterapia, a cirurgia de retirada do tumor e a quimioterapia.

Os quimioterápicos mais utilizados atualmente para o tratamento do câncer são: taxol e vimblastina, cis-platina, carboplatina, oxaloplatina, nedaplatina, heptaplatina, lobaplatina, picoplatina, satraplatina e ProLindac. O taxol e a vimblastina são compostos orgânicos extraídos de plantas.

É interessante observar que, para a extração de 1 kg de taxol é necessário utilizar 3 mil teixos, árvores de onde se retira o taxol [LUACUTI, 2015]. Já a vimblastina é o sal de um alcaloide extraído da vinca rósea.

O ProLindac é um polímero à base de hidroxipropilmetacrilamida (HPMA) no qual o composto diaminociclo-hexano está ligado à platina [NOVOTNIK, 2011].

Na Figura 1, estão as fórmulas estruturais dos complexos de platina usados no tratamento do câncer. São eles: cis-platina, carboplatina, oxaloplatina, nedaplatina, heptaplatina, lobaplatina, picoplatina, satraplatina e ProLindac [ALI et al., 2013; SILVA; GUERRA, 2010].


A carboplatina, cis-diamin(2-ciclobutanodicarboxilato) platina (II), registrada sob o nome Paraplatina®, é utilizada desde 1985. Foi o primeiro fármaco de segunda geração, introduzido pelo Instituto de Pesquisa do Câncer de Londres, Inglaterra. Difere da cis-platina, pois possui um ligante bidentado como grupo abandonador no lugar dos cloretos. Possui maior solubilidade em água e reage em menor intensidade com proteínas e compostos de enxofre do plasma. É mais facilmente excretada pela urina. O organismo suporta doses maiores por possuir menores efeitos colaterais, provavelmente devido à presença do ligante bidentado. É mais usada no tratamento de câncer de ovário, com menor eficiência para alguns tipos de câncer (cabeça, pescoço e bexiga) [WHEATE et al., 2010]. Segundo ALI et al. (2013), a carboplatina é utilizada em câncer de ovário, pulmão, cabeça e pescoço e é mais tolerável por pacientes que necessitam de altas doses de cis-platina.

A oxaloplatina, trans-1R,2R-diaminciclo-hexano oxalatoplatina(II), utilizada desde 1996 e registrada sob o nome Eloxatina®, possui o grupo abandonador oxalato e o ligante “carregador” DACH (diaminociclo-hexano) que é bidentado e hidrofóbico. O fármaco foi aprovado primeiramente na França, em 1996, depois nos Estados Unidos, em 2002, seguido pelo Japão, em 2005, e no mundo todo a partir de 2009. O medicamento é amplamente aceito no tratamento de câncer colorretal metastático, quando usado em conjunto com 5-fluorouracil e ácido fólico. Testes clínicos foram realizados para tratamento metastático de câncer de estomago e esôfago, trompas de Falópio, ovário, mama, pâncreas, leucemia mieloide e linfomas. Foi o primeiro fármaco utilizado no tratamento de câncer em que ocorre a resistência à cis-platina [ALI et al., 2013]. A oxaloplatina forma adutos do tipo guanina-guanina, intrafita e esses adutos não são reconhecidos pelo sistema de reparo do DNA. É ativa em linhagens de células resistentes à cis-platina, apresenta baixa acumulação no plasma e ausência de nefrotoxicidade. É utilizada no tratamento de câncer colorretal [WHEATE et al., 2010].

A nedaplatina, restrita ao uso no Japão, tem menor nefrotoxicidade e menor atividade que a carboplatina e atividade igual a da cis-platina. É utilizada para tratamento de câncer de cabeça e pescoço [NEVES & VARGAS, 2011; WHEATE et al., 2010]. A nedaplatina é o complexo diamin-[hidroxiacetato (2-)-O,O’] platina(II), registrado sob o nome Aqupla®. É um fármaco de segunda geração produzido no Japão. Tem maior solubilidade em água que a cis-platina e menor nefrotoxicidade que a cis-platina e a carboplatina, maior atividade no tratamento do câncer que a carboplatina e atividade antitumoral comparada à cis-platina. Utilizada no tratamento do câncer esofágico, de cabeça e pescoço. Os resultados foram promissores em testes clínicos das fases I e II, combinados com outras terapias e tratamentos via oral para carcinomas [ALI et al., 2013].

A lobaplatina, restrita ao uso na Coreia do Sul, é ativa em tratamentos resistentes à cis-platina. É utilizada no tratamento de câncer de estômago, possui hepatotoxicidade e mielossupressão leves e nefrotoxicidade – limitante da dose [NEVES & VARGAS, 2011; WHEATE et al., 2010]. A lobaplatina é o complexo [2-hidroxipropanoato(2-)-O1,O2] [1,2-ciclobutanodi-metanamina-N,N’]platina(II). Este fármaco é administrado na forma dos isômeros R,R e S,S misturados. É utilizado no tratamento de leucemia mielogênica crônica e câncer de mama metastático. A lobaplatina, administrada em conjunto com 5-fluorouracil e leucovorina, está em testes de fase clínica III para tratamento de câncer metastático esofágico. A lobaplatina apresenta menor neurotoxicidade que a cis-platina, mas tem como efeitos colaterais anemia, náuseas e vômitos (ALI et al., 2013).

A heptaplatina, restrita ao uso na China, apresenta menos nefrotoxicidade, neurotoxicidade e ototoxicidade do que a cis-platina. É utilizada no tratamento de leucemia mielogênica, não apresenta atividade para câncer de mama metastático [NEVES & VARGAS, 2011; WHEATE et al., 2010]. A heptaplatina é conhecida como [propanodioato(2-)-O,O’][2-(1-metiletil)-1,3-dioxolano-4,5-dimetanamina-N,N’]platina(II). Esse fármaco possui citotoxicidade in vitro e in vivo superior à cis-platina, alta solubilidade em água, alta estabilidade em soluções, baixa toxicidade e alto potencial para o tratamento do câncer em células resistentes ao tratamento com cis-platina, além de apresentar menor nefrotoxicidade que a cis-platina. Esse fármaco é principalmente utilizado no tratamento de câncer de estômago. Em testes clínicos de fase II, quando associados ao 5-FU e à leucovorina, apresentou uma melhora de 21% em eficiência.

A nedaplatina, a heptaplatina e a lobaplatina são fármacos de segunda e terceira gerações para tratamento de câncer.

Outros fármacos que se mostraram promissores no tratamento do câncer são a picoplatina, cujos testes clínicos da fase I começaram em 2001, tendo mostrado eficácia em ensaios da fase III, ativa quando administrada por via oral, sem neuronefrotoxicidade, boa atividade citotóxica, eficaz em células resistentes à cis-platina, carboplatina e oxaloplatina; a satraplatina mostrou melhor seletividade celular e mais eficácia quando utilizada para o tratamento de melanoma B16 e câncer de ovário. Apresenta baixa toxicidade, é ativa em células resistentes à cis-platina, é utilizada para tratamento de câncer de mama, ovário, pulmão e próstata; e o ProLindac apresentou eficácia em testes clínicos da fase III, mostrou-se ativo quando administrado por via oral, possui platina no estado de oxidação IV, mostrou-se mais inerte que os compostos de Pt(II), mostrou-se eficiente para tratamento resistente à cis-platina, mas foi desacreditado por não oferecer aumento de sobrevida [WHEATE et al., 2010].

 

Bibliografia

  • ALI, I. et al. FÚQUENE, A. A. El platino: contribuciones sociohistóricas y cientifícas desde el siglo XVIII. Parte I. Educación Química, v. 26, n. 2, p. 146–151, 2015.

  • FÚQUENE, A. A. El platino: Contribuciones socio-históricas y científicas siglos XIX y XX. Parte II. Educacion Quimica, v. 26, p. 233–241, 2015.

  • LUACUTI, R. N. Participação do receptor de potencial transitório vanilóide tipo 1 (TRPV1) em um modelo de síndrome de dor aguda induzida por paclitaxel em ratos / Rebeca Nambumbo Luacuti; orientadora : Gabriela Trevisan. – Criciúma, SC : Ed. do Autor, 2015. 92 p. : il.; 21 cm. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Criciúma, 2015.

  • Hatton Garden, London,: [s.n.].

  • NEVES, A. P.; VARGAS, M. D. Complexos de platina(II) na terapia do câncer. Revista Virtual de Quimica, v. 3, n. 3, p. 196-209, 2011.

  • SILVA, W. P.; GUERRA, P. platina. Química Nova na Escola, v. 32, n. 2, p. 128-129, 2010.

     

Ana Paula Kawabe de Lima Ferreira

Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp), Instituto de Química, Araraquara, Brasil.

Antonio Carlos Massabni

Universidade de Araraquara (Uniara), Programa de
Pós-Graduação em Biotecnologia em Medicina
Regenerativa e Química Medicinal, Araraquara, Brasil.





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