Inovação - Pesquisadores criam biofilme que dobra prazo de validade de ovos
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Um grupo de pesquisadores das universidades federais de São Carlos (UFSCar) e da Grande Dourados (UFGD, do Mato Grosso do Sul) desenvolveu um biofilme protetivo multifuncional que estende o prazo de validade do ovo e, possivelmente, de outros alimentos perecíveis. Os materiais, feitos à base de polímeros naturais e compostos bioativos, melhoram a resistência mecânica, física e biológica dos alimentos revestidos, protegendo-os de danos físicos e microrganismos, como fungos e bactérias.
“O aumento da resistência e das propriedades biologicamente ativas para controle de contaminação permite ao biofilme vedar microfissuras e poros da superfície de ovos, tornando-os autorreparáveis, o que pode resultar no aumento do tempo de vida de prateleira do produto”, explica Luiz Fernando Gorup, integrante do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais da UFSCar e professor visitante da UFGD, instituição que abriga os demais membros do grupo de pesquisadores: Eduardo José de Arruda (coordenador em parceria com Gorup), Kelly Mari de Pires Oliveira, Silvia Maria Martelli, Bruno do Amaral Crispim, Taiane Almeida e Silva, Renata Pires de Araújo e Chaiane Regina Rech.
Na avaliação dos pesquisadores, as soluções à base de quaternários de amônio utilizadas atualmente na pulverização de ovos incubáveis para desinfecção do produto não são totalmente eficazes para combater salmonelas e outros microrganismos. Para compor a nova solução, chamada de “filmogênica”, utilizou-se uma fibra obtida de resíduos da pesca, como a carapaça de crustáceos (camarão, lagosta e caranguejo). As características e funcionalidades desse material, combinadas com outros polímeros e produtos, possibilitaram o desenvolvimento do biofilme para revestir alimentos.
Arruda: estudos foram iniciados em 2017
As pesquisas receberam apoios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O novo material resultou em um depósito de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em agosto do ano passado.
HISTÓRICO – O professor Eduardo José de Arruda explicou ao Informativo que a pesquisa do biofilme foi iniciada ainda no mestrado da pesquisadora Taiane Almeida e Silva, orientada por ele no período de 2017 a 2019 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFGD.
Na definição do tema, foram considerados os problemas mais importantes relacionados a alimentos de uso contínuo, que são principalmente os que oferecem fontes de proteínas de baixo custo para a população. As consequências em termos de sanidade biológica e conservação para uso seguro foram os focos principais da proposta do trabalho científico. A ideia foi desenvolver um produto capaz de atender a esta demanda a um custo baixo, tendo facilidade de aplicação e segurança para os seres humanos e o meio ambiente.
O ovo, que possui uma validade de aproximadamente 30 dias na temperatura ambiente (podendo alcançar até 60 dias sob refrigeração), despontou entre as opções da pesquisa por ser um alimento básico que apresenta forte tendência de contaminação por microrganismos, com impactos na saúde pública. “A questão básica era como melhorar a qualidade do produto ao longo das etapas de produção, transporte, armazenamento e comercialização”, salienta Arruda.
O material polimérico de revestimento desenvolvido pelos pesquisadores é semelhante a um verniz flexível, que adere à superfície do ovo. O biofilme contém um bactericida que impede a colonização por microrganismos. A estimativa é de que o produto consiga garantir essa proteção por cerca de dois meses, sem a necessidade de refrigeração.
“Além disso, ao revestir o ovo, o biofilme impede a perda de umidade, controla gases e, consequentemente, evita a perda de massa por evaporação, protegendo o alimento em toda a cadeia de produção e na comercialização, até a chegada ao consumidor”, explica o professor.
O pesquisador relata que foi possível observar uma melhoria estética e de higiene dos ovos testados, que foram expostos em prateleiras de mercados. Segundo ele, as substâncias presentes na composição do biofilme não apresentam riscos ao consumidor, pois as quantidades utilizadas são pequenas. O revestimento pode ser retirado de forma simples, lavando-se os ovos em água corrente.
As cascas dos ovos tratados com o biofilme podem ser descartadas normalmente, pois não geram impactos ambientais.
A pesquisa resultou num produto que protege a superfície dos ovos contra bactérias, fungos e choques mecânicos
PREÇO – Os estudos relacionados ao biofilme encontram-se em andamento, mas ainda não foram realizados testes e validações pelos órgãos competentes para atestar os resultados obtidos pelos pesquisadores em caráter experimental. Embora a meta seja de garantir até 60 dias de validade sem a necessidade de refrigeração, as condições para esse prolongamento são variáveis, dependendo de fatores ambientais e de produção, transporte, armazenamento e comercialização do produto.
A aplicação do produto por imersão ou pulverização, a fim de que seja formado o filme ativo sobre a superfície dos ovos, não demanda dos fabricantes o emprego de um equipamento específico. Mesmo assim, a estimativa é de que a incorporação do biofilme ao alimento aumente o custo de cada dúzia de ovos em até dez centavos.
DISPONIBILIDADE – Outros estudos ainda devem ser realizados para adequação do biofilme aos processos de higienização. Entretanto, a estimativa é de que o revestimento possa estar disponível comercialmente para uso em linhas de produção num período de três a seis meses, a depender dos processos de liberação dos órgãos governamentais de controle e análises para a validação do produto.
De acordo com o professor Arruda, outros alimentos, tais como frutas, leguminosas, verduras e castanhas, também poderão ser testados, mas serão necessárias análises das características dos alimentos e dos microrganismos a serem controlados em cada caso. “Acreditamos que os polímeros que compõem a base das soluções filmogênicas têm potencial para serem utilizados na produção de embalagens inteligentes e multifuncionais, adaptadas às especificidades de cada alimento”, conclui o pesquisador.