Considerações sobre o Prêmio Nobel de Química de 2022
por João Henrique Gião Borges1 e Antonio Carlos Massabni2
RESUMO - A indústria química e as universidades bem sabem que diversos processos químicos com interesse econômico em muitos casos são muito caros e/ou demorados. Em larga escala podem, inclusive, ter a aplicação comprometida. Com essa perspectiva em mente, diversas técnicas para conseguir efetuar rotas sintéticas mais rápidas e baratas vem sendo desenvolvidas ao longo dos últimos anos, e parte de tal esforço resultou em três químicos – K. Barry Sharpless, Morten Meldal e Carolyn Bertozzi – laureados com o Prêmio Nobel de Química de 2022, por suas contribuições nos campos conhecidos como “Clique Química” e “Química Bioortogonal”.
1 CLIQUE QUÍMICA – O conceito de “Clique Química” foi inicialmente apresentado por K. Barry Sharpless (que já havia conquistado o Nobel em 2001) como a possibilidade de usar pequenos blocos funcionais para obter reações orgânicas mais rápidas e eficientes, em condições reacionais mais próximas daquelas ambientais. O “clique” sugerido no termo pode ser compreendido, analogamente, como um encaixe rápido e preciso de duas peças, como um cinto de segurança em um automóvel. Em termos mais simples, Sharpless descreveu blocos funcionais capazes de efetuar reações em uma única etapa, como muitas cicloadições conhecidas, tomando as de Diels-Alder [1] como exemplo a analisada na Figura 1.
Imagens fornecidas pelos autores
Figura 1: Cicloadição [4+2]: ciclopentadieno e eteno
1.1 REAÇÕES PERICÍCLICAS – Estas reações ocorrem de modo “orquestrado”, por meio de um estado de transição cíclico. Na figura 1, [4+2] indica que o reagente da esquerda possui 4 elétrons π (as duas ligações duplas no ciclopentadieno, chamado de “dieno”) e o reagente da direita possui 2 elétrons π (a ligação dupla no eteno, chamado de “dienófilo”).
A ideia central é conseguir uma reação altamente específica usando pequenos blocos funcionais e utilizar, caso necessário, o mesmo método (ou outro igualmente simples) para obter o alvo necessário [2]. A mesma metodologia pode ser aplicada na síntese de peptídeos, conforme exemplificado na Figura 2:
2 QUÍMICA BIOORTOGONAL – A expressão “Química Bioortogonal”, dada por Carolyn Bertozzi, significa reações que ocorrem sob condições fisiológicas sem interferir ou sofrer interferência do ambiente celular envolvido. Porém, o termo “ortogonal” foi descrito em 1977 [3] como uma classe de grupos de proteção (muito comuns em sínteses, com o objetivo de manter um dado grupo funcional ao longo da reação) manipulados com facilidade e sem causar (ou sofrer) interferência. Veja a seguir um exemplo usado por Bertozzi.
Usando conhecimentos de Química Orgânica básica, o anel com ligação covalente tripla é altamente tensionado, o que facilita bastante a cicloadição com a azida (-N3), conforme pode ser visto na Figura 3. Embora não seja adequado usar o cátion metálico Cu+ em meio biológico, por sua toxicidade, o uso de anéis tensionados permite manter a bioortogonalidade sem a toxicidade do metal.
Figura 3: Exemplo de SPAAC (Strain-Promoted Azide-Alkyne Cycloaddition): cicloadição de azida (R-N3) em anel tensionado com um alcino
A reação de cicloadição pode ser vista na Figura 4, levando a um ou outro produto.
Figura 4: Cicloadição dipolar e termicamente induzida entre azidas e alcinos terminais [veja ref. 2] (adaptada)
O potencial de aplicação desses dois processos é enorme e ainda não foi absorvido em sua plenitude, o que pode levar à criação de mais grupos de pesquisa interessados nestes temas daqui em diante.
Referências:
[1] Brieger, G. e Bennett, J. N., The Intramolecular Diels-Alder Reaction, Chem. Rev., 80, 63-97, 1980.
[2] The Nobel Committee for Chemistry, Click Chemistry and Bioorthogonal Chemistry: Scientific Background on the Nobel Prize in Chemistry 2022.
[3] Mahal, L. K.; Yarema, K. J.; Bertozzi, C. R. Engineering Chemical Reactivity on Cell Surfaces Through Oligosaccharide Biosynthesis. Science 1997, 276 (5315), 1125–1128.
1Doutor em Química Orgânica, atua como professor
na Universidade de Araraquara (Uniara);
2Doutor em Química Inorgânica, é professor da mesma instituição
e conselheiro suplente do CRQ-IV. Foi diretor do Instituto de Química da Unesp de Araraquara.