Há 340 anos, diz a história, uma maçã acertou o físico Isaac Newton e o fez perceber a existência de uma força que atrai os objetos e os seres para o centro da Terra – a gravidade. Mas o que aconteceria se as maçãs não caíssem? E se a gravidade não existisse? Como se comportariam a natureza e os elementos químicos? É isso o que cientistas brasileiros estão tentando descobrir enviando à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), na bagagem do astronauta Marcos Cesar Pontes, oito experimentos para serem executados em ambiente de microgravidade. Não se trata de ausência de gravidade, mas de uma força menor do que a verificada na superfície da Terra. Criados por equipes de pesquisadores multidisciplinares, dois desses experimentos objetivam estudar a dinâmica das reações químicas nessa situação.
Um dos experimentos foi desenvolvido pelo Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), de São Bernardo do Campo/SP. Seu objetivo é estudar, no ambiente da ISS, o efeito da gravidade na cinética de duas enzimas: a lipase e a invertase. A primeira foi escolhida por sua grande aplicação na indústria, onde é empregada na transformação de óleos em gorduras; a segunda, usada nas indústrias alimentícia e farmacêutica, é uma substância bastante conhecida, o que facilitará a comparação de dados em terra e no espaço.
O experimento consiste num mini-laboratório com 15 câmaras de reação – cada uma permitindo a mistura de dois líquidos diferentes –, e de circuitos eletrônicos, que garantem o acionamento correto dos controles, a monitoração do sistema, a aquisição de dados e o aquecimento dos líquidos à temperatura e por tempo desejados. Ele comporta um microcomputador, que permitirá aos cientistas verificar como ocorreram as reações químicas no espaço.
A professora Adriana Lucarini, Engenheira Química e coordenadora científica do projeto, conta que, em outros países, os estudos em microgravidade estão ajudando os pesquisadores a entender melhor as reações, principalmente na área da biotecnologia, e o mecanismo de cristalização das proteínas. “Você tem uma condição singular, totalmente diferente do que acontece aqui na Terra. Muitos efeitos, principalmente relacionados à transferência de massa e calor, são modificados porque não há, por exemplo, a convecção (transferência de calor pela matéria em movimento)”, explica Lucarini.
A fim de estudar o comportamento das enzimas em ambiente de microgravidade, o Departamento de Engenharia Química da FEI já fez três experimentos. O primeiro deles foi testado no lançamento de um ônibus espacial da NASA e pretendia verificar a estabilidade de emulsões de água e óleo em condições de “grande” aceleração e despressurização. Essas emulsões são usadas como substrato das reações enzimáticas. Os outros dois experimentos pretendiam testar reações químicas, mas as expectativas acabaram se frustrando, pois não foi possível recuperar as experiências no retorno ao planeta do módulo espacial (não tripulado).
Contudo, diz Lucarini, essas três experiências geraram subsídios para a criação do mini-laboratório que foi enviado ao espaço dia 29 de março com o astronauta brasileiro.
Além dos dados armazenados no microcomputador de bordo, os pesquisadores também analisarão quimicamente o produto das reações que acontecerão na ISS. “Todo esse conhecimento um dia será transformado em tecnologia”, espera a coordenadora científica do projeto da FEI.
Luminescência
Converter conhecimento em tecnologia é o que também espera o pesquisador Aristides Pavani Filho, responsável pelo experimento “Nuvens de Interação Protéica”. A experiência foi enviada à ISS pelo Centro de Pesquisas Renato Archer (Cenpra), localizado em Campinas/SP e vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
No mini-laboratório criado pelos pesquisadores da Divisão de Microsistemas do Cenpra serão realizados três tipos de reações envolvendo enzimas e proteínas que gerarão bio e quimioluminescência, além de fluorescência.
Esses processos ocorrerão em uma câmara de reação no formato octogonal, em cujas faces foram instalados atomizadores por ondas acústicas superficiais. Com a energia liberada por essas ondas, eles têm a função de atomizar o fluido da reação, que estará no centro da câmara. O equipamento foi desenvolvido de tal forma que todas as ondas serão focalizadas nos reagentes, ou seja, não haverá perda de energia. “Nós vamos usar esse mecanismo para atomizar uma proteína que se mistura com outra e produz uma luminescência”, explica Pavani. A atomização gerará uma nuvem dentro da qual ocorrerá a reação química das proteínas.
Dessa forma, o experimento do Cenpra testará: (1) a utilização de fluidos atomizados em reações químicas; (2) a atomização por meio de ondas acústicas superficiais; (3) o desempenho destas técnicas e o comportamento das proteínas em ambiente de microgravidade.
“A microgravidade para nós é uma ferramenta, uma condição que nos permite observar a natureza e como ela se comporta quando é submetida a uma alteração do ambiente em que está presente”, diz o coordenador do experimento. No caso dos testes na ISS, a alteração do ambiente é a redução da força gravitacional.
O experimento faz parte de um projeto maior do Cenpra que quer compreender um fenômeno singular que ocorre na Amazônia: durante a cheia – outra mudança no ambiente –, árvores ficam submersas e ainda assim produzem flores e frutos.
Entendendo como a natureza reage à inundação, será possível produzir mecanismos para corrigir possíveis danos causados por derramamento de óleo, por exemplo. O objetivo final do projeto, para o qual se espera que as experiências no espaço contribuam, é a produção de biosensores para monitoramento da floresta amazônica.
A equipe de pesquisa, no entanto, vê uma série de outras aplicações para os resultados que poderão ser obtidos. “A gente enxerga que as reações químicas com fluidos atomizados produzirão resultados mais eficientes”, prevê Pavani. Experimentos semelhantes ao da ISS serão realizados também na Terra para comparação dos resultados.
As imagens do experimento serão usadas não apenas para investigações de cunho científico, mas também para explorações no campo estético. Acredita-se que as nuvens luminescentes formadas pela atomização vão produzir um belo espetáculo. Por isso, a intenção do coordenador do projeto é fazer com que a população tenha acesso às imagens por meio da internet e outras mídias.