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Mar/Abr 2005 

 


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Artigo aborda a arte e a tecnologia empregadas em curtumes
Autor(a): Wayne Porto Colombo


A indústria de beneficiamento de peles, o Curtume, é uma fonte incrível de ciência e história. A criatividade dos profissionais de curtimento e acabamento aflora em artigos cada vez mais agradáveis e que demonstram o potencial econômico desse setor. Curtume é um tipo de indústria onde tecnologia e tradição caminham em absoluta harmonia.

A arte de curtir peles é antiga e começou quando o homem ainda vivia nas cavernas. Para se alimentar das sobras de carne, mulheres e crianças mastigavam as peles dos animais abatidos. Com o tempo, percebeu-se que essa prática amolecia as peles e permitia o seu uso para proteção do corpo.

O homem daquela época notou também que as peles jogadas junto aos pés das árvores, acima das folhas e cascas secas, demoravam mais para apodrecer. Estava descoberto aí o primeiro momento do Curtimento Vegetal. Também pela observação, percebeu que as peles que ficavam sobre determinados solos, normalmente próximos aos rios, perdiam os pêlos, ficavam maleáveis e tinham seu processo de apodrecimento retardado. Era o início do chamado Curtimento Mineral. Hoje em dia há diversos processos de curtimento de peles, mas os que envolvem o curtimento vegetal e curtimento mineral são os mais utilizados mundialmente.

O Curtimento Vegetal se dá pela utilização de taninos, ou seja, extratos de plantas que possuem afinidade pelo colágeno, transformando a pele sujeita ao apodrecimento em couro não putrescível.

O Curtimento Mineral mais conhecido é o à base de cromo, utilizando-se sulfato de cromo com 33% de basicidade. A procedência do sal deste processo é de extrema importância, pois o cromo deve estar totalmente na forma de Cr3+ (cromo trivalente). Nesta forma, o cromo reage melhor com as fibras colagênicas, curtindo o couro e não oferecendo riscos cancerígenos. Vale lembrar que todo metal pesado é cumulativo e danoso ao meio ambiente. Este é o processo conhecido como Cromo Alemão.Há ainda curtimentos com sais de alumínio e titânio.

Há três principais etapas de processamento do couro: 1) Processos de ribeira; 2) Processos de recurtimento; 3) Processos de acabamento. A obtenção de um couro tem várias etapas fundamentais e a primeira delas é o modo como o animal é criado. Marcas de carrapatos, de arames farpados, bernes e ferro quente, por exemplo, rebaixam a classificação dos artigos finais, além de exigirem um volume maior de produtos químicos no processamento industrial.

Os processos de ribeira são:

Remolho: consiste em devolver às peles a umidade que tinham quando ainda revestiam o corpo do animal. O objetivo é dar maior maleabilidade ao couro nos processos que se seguem. Produtos utilizados: tensoativos, enzimas e água.

Caleiro/Depilação: etapa em que as peles recebem tratamentos para ganho de área, espessura e principalmente para afrouxar os pêlos. Produtos utilizados: tensoativos, sulfetos, água, enzimas, amina e cal.

Desencalagem/Purga: após o caleiro/depilação, toda a cal utilizada no processo anterior deve ser retirada para que a pele possa ser curtida posteriormente com o sal de cromo ou com o tanino vegetal. Aqui também é feito o último processo de limpeza das peles, a purga. Na purga, utilizam-se enzimas que irão promover o afrouxamento das fibras, dando maior elasticidade e maciez após o curtimento. Produtos utilizados: ácidos orgânicos, complexantes de cálcio, tensoativos, enzimas e água.

Píquel: no final da desencalagem/purga, o pH das peles está entre 6,5 a 7,0 e deve ser reduzido para a faixa entre 2,5 e 2,8, possibilitando assim o atravessamento do sal curtente de cromo ou tanino vegetal sem precipitações. Produtos utilizados (processo tradicional): ácido sulfúrico, ácido fórmico, cloreto de sódio e água.

Curtimento/basificação: com o pH ideal da pele para a permeação por igual do curtente pelas fibras, adicionamos o sal curtente (sal de cromo ou tanantes vegetais) e acompanhamos o processo até total atravessamento destes sais na pele. Depois de atravessado, utiliza-se um sal de hidrólise alcalina para fixar o sal curtente às fibras colagênicas, o que confere a característica de não putrescível. Produtos utilizados: sais curtentes, sais de hidrólise alcalina e água.

No fim do curtimento/basificação o couro é denominado Wet Blue, quando curtido ao cromo, ou Atanado, quando curtido com taninos vegetais. Estes são couros de baixo valor agregado, onde o gasto de produção versus o retorno da venda não são vantajosos. O melhor é exportar couros que tenham sido recurtidos ou, melhor ainda, acabados.

O recurtimento significa a adição ao couro curtido de diversos produtos químicos, de acordo com o artigo que se deseja produzir: carteiras, jaquetas, sapatos, botas de segurança, bancos automotivos etc. São agregados produtos como os corantes, taninos sintéticos, tensoativos, dispersantes, óleos para engraxar e conferir maciez, resinas de recurtimento, mais taninos vegetais, mais sal de cromo, sais de alumínio, ácido orgânicos etc.

Para a etapa de acabamento, utilizamos o couro recurtido e a ele agregamos resinas acrílicas de diferentes durezas, resinas de caseína, resinas poliuretânicas, lacas nitrocelulósicas, emulsões, ceras, pigmentos etc.

Além de serem submetidas a processos químicos, as peles também passam por uma série de processos físicos, para, por exemplo, descarnar, dividir, rebaixar e lixar. O pH dos banhos de curtimento/recurtimento deve ser criteriosamente controlado, pois do contrário podem ocorrer problemas como: precipitação dos produtos curtentes, formação de manchas, digestão das peles (o que as transforma em gelatina), formação de rugas etc.

Atuação responsável

Os processos descritos indicam que a indústria de curtumes é potencialmente muito poluidora e que trabalha com grandes volumes de água. Há etapas na produção em que são utilizados cerca de 200% de água sobre o peso de peles a serem tratadas. Se estivermos trabalhando com três toneladas de peles, necessitaremos, em uma única etapa, de seis toneladas de água. Com a atuação responsável dos curtumes, a intensa fiscalização por parte dos órgãos competentes e pelo desenvolvimento de tecnologias mais limpas ou de reaproveitamento das águas de processo, os níveis de emissão de poluentes e de consumo de água caíram sensivelmente.

No mundo todo o couro é um bem de alto valor por motivos como: 1) Grande número de processos físicos e químicos; 2) Grande quantidade de produtos químicos envolvidos; 3) Grande volume de efluentes tratados 4) Longo tempo de produção e grande demanda de energia; 5) Couro sintético muito barato; 6) É um bem durável.

Algumas escolas possuem cursos de formação de Técnicos de Curtimento, Recurtimento e Acabamento, mas os Técnicos Químicos, Químicos e Engenheiros Químicos e Ambientais dão grande contribuição para o desenvolvimento do setor. O Brasil está entre os maiores produtores mundiais de couros e a eficaz capacitação e profissionalismo de nossos técnicos faz com que eles sejam cobiçados por mercados importantes, como os da Índia, China e Europa.

Apesar de toda a tecnologia e pesquisa empregadas nessa atividade química, curtir o couro é uma arte! Não deixa de ser impressionante ver profissionais experientes da área dobrando os couros desta ou daquela forma e dizendo, pelo toque na peça, que o produto químico é pouco adstringente, ou que o óleo de engraxe é seco, ou ainda que os poros deste couro estão mais bonitos que os de outros. Além de muito conhecimento técnico, é preciso ter grande sensibilidade para detectar tais características.

Além de estar na vanguarda da produção mundial, o Brasil tem o maior rebanho de gado de corte do mundo e moderníssimas empresas de curtimento, o que permite vislumbrar grandes perspectivas para esse mercado. O País exporta para o mundo todo tanto couros como produtos para curtimento, recurtimento/acabamento e artigos para o consumidor final.

A preocupação atual da indústria nacional é aumentar o valor agregado ao couro de modo a solidificar cada vez mais a posição que ocupa e gerar mais divisas a partir do incremento das exportações. A liderança no ranking mundial criará as condições para que novas tecnologias nacionais sejam criadas e para que o País invista cada vez mais na produção de couros nobres (recurtidos e acabados), já que a produção do tipo Wet Blue (que tem baixo valor agregado) não é vantajosa, além de representar a parte mais suja de todo o processo por ser potencialmente mais poluidora.

Podemos, sabemos e fazemos couros acabados e artigos de couro com qualidade internacional. Muitos sapatos italianos são feitos com couros brasileiros. Muitos sapatos de cromo alemão utilizam couros curtidos no Brasil na sua fabricação. Embora saibamos fazer coisas fantásticas com o couro, temos de aprender a valorizar os Curtidores brasileiros e suas criações.
 
O autor

Wayne Porto Colombo é Técnico Químico, Técnico em Curtimento (SENAI/RS), Bacharel em Química com Atribuições Tecnológicas, possui Licenciatura Plena em Química e faz curso superior em Gestão de Marketing e Vendas. Atua no setor desde 1995, exercendo atualmente o cargo de responsável pela Divisão de Produtos de Curtumes da Resinac Inds. Químicas. Contatos podem ser feitos pelo e-mail wpcolombo@itelefonica.com.br 




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