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Jan/Fev 2005 

 


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Química e Nanotecnologia: é hora de despertar!
Autor(a): Henrique E. Toma


"I do like what they are doing in Nanotechnology. Scientists are finally beginning
to believe in atoms and are putting things together atom by atom. I think if I were to
continue in Chemistry, I might choose that area to do research."

A frase que abre este artigo foi dita em recente entrevista por Henry Taube (90), Professor Emérito de Química da Universidade de Stanford, ao ser indagado sobre sua visão do futuro. Traduzindo para o português: "Eu realmente aprecio o que estão fazendo na área de Nanotecnologia. Os cientistas finalmente começaram a acreditar nos átomos e estão "juntando as coisas", átomo por átomo. Eu acho que se eu continuasse na química, eu escolheria esta área para pesquisa."

Quem conhece esse grande mestre, que também pertence à Academia Brasileira de Ciências e fez enormes contribuições ao desenvolvimento da Química em nosso país, não ficaria surpreso com essa resposta. Henry Taube conquistou o Premio Nobel em 1983 por ter desvendado os segredos do comportamento químico dos elementos metálicos e principalmente pelas descobertas a respeito dos mecanismos que regem a transferência de elétrons entre as moléculas.

Só por isso? Pense bem: todos os processos de produção e conversão de energia em nossa vida envolvem passagem de elétrons: a respiração, a fotossíntese, a combustão em máquinas e motores e o funcionamento das baterias e das células fotovoltaicas. Hoje essa questão já chegou ao mundo nanométrico, onde a unidade básica é 1 nm = 10-9 m, e o referencial deixou de ser o imenso número de Avogadro, também conhecido como mol (6 x 1023).

Nesse mundo, a luz visível não mais permite visualizar os objetos, mesmo com o melhor dos microscópios ópticos existentes. Entretanto, já é perfeitamente possível visualizar e manipular átomos e moléculas através das técnicas de varredura de sonda (Foto 1), inventadas por Binnig e Rohrer (Prêmio Nobel, 1986). Os cientistas agora estão preocupados em saber como se comporta uma única molécula, como um elétron passa através dela e como construir um dispositivo eletrônico que movimenta um único elétron para armazenar informações e fazer computação. Taube está certo: isso é Nanotecnologia!

O que vai acontecer quando isso for possível? Antigamente, isto é, há menos de cinqüenta anos, a maioria dos instrumentos eletrônicos ainda funcionava com válvulas, parecidas com lâmpadas, geralmente barulhentas e cheias de problemas. A introdução do transistor ajudou muito, mas mesmo assim, nos anos 1970 os computadores ainda eram imensos: ocupavam salas inteiras e ninguém pensava em ter um em sua casa. Hoje, além de caberem na palma da mão, são muito mais possantes e confiáveis. Com a redução de tamanho e avanços na integração, um processador convencional, como o Pentium IV, já trabalha com 40 milhões de transistores.

E isso ainda continua evoluindo. Os processadores já começam a entrar na escala nanométrica e a previsão de Richard Feynman, feita em 1959, de que seria possível colocar todo o conteúdo da Enciclopédia Britânica no espaço de uma cabeça de alfinete já não é ficção. Pode parecer impressionante, mas alguém poderia dizer que mesmo com tanto progresso, um bit de informação ainda representa um desperdício de espaço ao utilizar nada menos que alguns bilhões de átomos! É verdade. Porém, note que a IBM acaba de anunciar o Millipede, um dispositivo que utiliza milhares de sondas de microscopia para gravar e ler informações em escala nanométrica. Então, você consegue imaginar agora o que poderá acontecer quando a eletrônica passar a utilizar átomos e moléculas isoladamente? Dispositivos milhões de vezes menores? Como seria isso?

Não é preciso pensar muito para responder. De fato, ele poderia ter a sua cara, pois está bem dentro de você. É o seu cérebro, sem dúvida, ainda o melhor computador existente. Ele é capaz de executar 1017 operações por segundo, superando em mil vezes o Blue Gene/L que a IBM acaba de anunciar como o computador mais possante já construído pelo homem. Observe que o cérebro é um computador "molhado", que trabalha com neurônios, células que recebem os impulsos químicos de moléculas de neurotransmissores, como a dopamina, convertendo-os em sinais elétricos. Estes se deslocam a longas distâncias pelos axônios até chegar à região da sinapse, onde disparam novamente os mecanismos de comunicação celular, liberando neurotransmissores para as células vizinhas.

Além da nossa capacidade de trabalhar com moléculas, temos a vantagem de dispor do melhor software possível: a nossa consciência. Ele é o único capaz de comandar as ações do cérebro e de exercitar a própria inteligência através da aprendizagem e auto-aprendizagem. E não é incrível saber que tudo isso é pura Química?

A pergunta a ser feita agora é: será possível chegar a ponto de utilizarmos átomos e moléculas para construirmos máquinas mais evoluídas e sistemas auto-adaptáveis e inteligentes? Medicamentos programados para atingir um alvo ou para serem liberados de acordo com as necessidades? Sistemas químicos integrados em um chip para fazer diagnóstico clínico ou monitorar a qualidade de vida? Dispositivos de iluminação e jornais eletrônicos com a espessura de uma folha de papel? Janelas que dispensam limpeza ou que adaptam suas tonalidades ou que transformam a luz do sol em energia elétrica? Tecidos com capacidade de reconhecer e neutralizar agentes agressivos ou de suportar condições extremas de temperatura, impacto ou corrosão? Estes são apenas alguns exemplos de assuntos que já estão carreando enormes investimentos para a Nanotecnologia no mundo inteiro.

Mas trabalhar com moléculas não é exatamente o que Química faz? Assim, o que há de novo? Veja bem: na química, quando colocamos os reagentes em um tubo de ensaio, estes passarão a reagir através dos incessantes eventos colisionais promovidos pela energia térmica. Apenas algumas das colisões serão produtivas e resultarão na espécie química desejada; a maioria será improdutiva, pois o processo é caótico. Não há muito que fazer para evitar isso, a não ser esperar o suficiente para que o produto se acumule e o rendimento aumente. Alternativamente, o que aconteceria se colocássemos as moléculas biológicas envolvidas na fotossíntese, isto é, clorofilas, quinonas, citocromos, ferredoxinas, ATP sintase, entre outras, em um tubo de ensaio e irradiássemos com luz? Ocorreria a fotossíntese? De jeito algum! Na realidade, os processos biológicos só funcionam porque os componentes moleculares estão devidamente organizados no espaço e no tempo. As ações que se processam acabam transcendendo o plano da molécula. Esse é o conceito mais genuíno da Química Supramolecular: a química além da molécula. É justamente essa a Química que torna possível a vida e que oferece a grande estratégia na Nanotecnologia Molecular.

Assim, para começar, é importante aprender essa nova linguagem. Como bem colocado por Jean-Marie Lehn (Prêmio Nobel, 1987), na Química Supramolecular, um átomo equivale a uma letra, uma molécula constitui uma palavra e um conjunto de moléculas organizadas compõe uma sentença. Portanto, é preciso trabalhar a Química com essa nova linguagem, que paradoxalmente a natureza já conhece e pratica há muito. Ao fazermos isso, estaremos perseguindo os limites da evolução dos materiais moleculares, conforme preconizado por Lehn, tomando como referência a própria natureza. Nesse nível, os processos tecnológicos serão naturalmente mais eficientes, além de ambientalmente corretos. Não vale a pena?

Mas o que tudo isso quer dizer em termos químicos? Para que duas moléculas possam atuar cooperativamente, é necessário que elas interajam de forma associativa, com algum grau de reconhecimento mútuo capaz de conferir a necessária organização estrutural. Esse mecanismo é típico do reconhecimento molecular e um bom exemplo é proporcionado pela interação entre as bases nucléicas complementares: adenina-timina (A-T) e guanina-citosina (G-C), que pode ser vista na estrutura do DNA. Se modificarmos as moléculas com bases desse tipo, elas passarão a se associar espontaneamente através do reconhecimento molecular e isso poderá ser usado para promover a automontagem de novas estruturas supramoleculares voltadas para aplicações em nanotecnologia molecular. Na realidade, existem várias outras maneiras de se trabalhar com moléculas para produzir estruturas organizadas. Sua exploração é um assunto estratégico atualmente. Uma das aplicações disso a maioria já conhece: são os cristais líquidos. Utilizando a propriedade de orientação das moléculas, é possível formar os pixels de imagem em sua tela de computador. Na realidade, existe uma diversidade muito grande de dispositivos moleculares, como os sensores químicos e biológicos, dispositivos "orgânicos" emissores de luz (OLEDs), células fotovoltaicas e fotoeletroquímicas, células a combustível, painéis eletrocrômicos, memórias, chaveadores de sinal, portas lógicas, atuadores e componentes eletrônicos.

A empresa americana Calmec já anunciou uma memória molecular baseada em moléculas (quiroptocenos) que mudam sua quiralidade (capacidade de desviar o plano da luz polarizada) através de um processo reversível de fotoisomerização. Esse dispositivo plástico, do tamanho de um pequeno dado, é capaz de armazenar com eficiência as informações transportadas pelos pulsos de luz incidente, gerando uma capacidade equivalente a 34 discos rígidos de 60 GB ou 2 trilhões de bits de memória! O desenvolvimento de sensores químicos e biológicos é outra das grandes possibilidades na nanotecnologia, principalmente pela enorme diversidade de opções e aplicações. Os sensores podem ser baseados em filmes moleculares que mudam suas propriedades ópticas quando expostos à radiações ou agentes químicos ou biológicos. Tais filmes ainda podem sinalizar o reconhecimento das espécies através de respostas elétricas ou eletroquímicas e têm sido usados no desenvolvimento de sensores de gases para prevenir incêndios ou alertar sobre vazamentos; bem como de dispositivos sensoriais como nariz e língua eletrônicos; e de analisadores de conservantes químicos em alimentos e bebi- das. Nanopartículas também podem ser funcionalizadas quimicamente para reconhecerem outras espécies, sinalizando tal ação através de mudanças de cor ou luminescência. Além disso, é possível incorporar propriedades magnéticas, gerando nanopartículas que podem ser atraídas por imãs, para serem utilizadas para transportar drogas, liberar espécies ativas de oxigênio de forma localizada em terapia fotodinâmica ou promover hipertermia local mediante aplicação de campos elétricos alternados, levando à destruição de células tumorais.

Na área de energia, o desenvolvimento de células fotoeletroquímicas ganhou novo impulso com a descoberta de Grätzel, no início dos anos 90, de que a eficiência pode ser aumentada em várias ordens de grandeza quando se utilizam nanopartículas de dióxido de titânio como eletrodo. Esse material apresenta propriedades fotocondutoras só na região do ultravioleta. Contudo, quando impregnado com moléculas fotosensibilizadoras, a capacidade de gerar corrente é estendida até a região do visível, permitindo o aproveitamento da energia solar (Foto 2). Atualmente, o rendimento dessas células já se equipara ao das células fotovoltaicas de silício, que são muito mais caras. Contudo, ainda existem sérios problemas de durabilidade e reprodutibilidade a serem superados e nessa ativa área de pesquisa alguns empreendimentos comerciais já vem sendo anunciados (Foto 3).

Outra alternativa é o uso de compostos e polímeros condutores luminescentes nos dispositivos. A aplicação de voltagem em um filme dessa natureza resulta em um processo de combinação de cargas capaz de promover a excitação dos níveis eletrônicos e a emissão de luz. Esse é o princípio de funcionamento dos OLEDs (organic light emitting devices). Na óptica reversa, a luz também pode ser empregada para provocar a separação de cargas, dando origem a um sistema fotovoltaico capaz de converter energia solar em energia elétrica. Por não utilizar meio líquido, esse sistema está menos sujeito a problemas de corrosão, mas é extremamente sensível à umidade e envolve altas tecnologias de fabricação. Sistemas desse tipo também podem ser utilizados em painéis eletrocrômicos, cuja cor pode ser ajustada mediante simples aplicação de voltagem. Sua utilização em espelhos retrovisores, janelas inteligentes e painéis eletrônicos já vem sendo explorada no mercado.

Nesse ponto, é notório que a Nanotecnologia oferece uma estratégia poderosa de explorar as propriedades moleculares para gerar novos materiais ou materiais nanoestruturados de alto desempenho, nanodispositivos, medicamentos inteligentes e incontáveis aplicações que se estendem aos interesses militares.

A redescoberta também faz parte da Nanotecnologia. Intuitivamente, o homem aprendeu que a adição de nanopartículas de carbono (negro de fumo) à borracha melhorava em muito suas propriedades mecânicas e o resultado disso foi o pneu. A insuperável tinta nanquim nada mais é que uma suspensão de nanopartículas de carbono em goma arábica. As nanopartículas já fazem parte do mundo dos plásticos, entrando na fabricação de compósitos mais resistentes, com melhores propriedades dielétricas e menor permeabilidade a gases. Os nanocompósitos já estão substituindo com vantagens diversos componentes metálicos em veículos, pois podem ser moldados e oferecem maior leveza e durabilidade, além de conforto e estética.

Entretanto, não é só tecnologia. Também existe a Ciência e esse é o lado mais interessante do mundo nanométrico. Realmente, nessa dimensão o raciocínio em termos dos fenômenos clássicos não mais se aplica e os desafios científicos são imensos. Surgem novos fenômenos, principalmente associados à redução da dimensionalidade dos materiais, que precisam ser tratados à luz da mecânica quântica.

Um exemplo simples: veja o que acontece quando um feixe de luz incide sobre orifícios micrométricos em um filme de ouro. Normalmente passa pouca luz através dos orifícios. Se esses orifícios forem nanométricos deveria sair menos luz ainda, não é verdade? Mas, por incrível que pareça, isso não acontece. Na realidade, a luz, ao interagir com a rugosidade atômica das bordas dos orifícios nanométricos, entra em ressonância com os elétrons de superfície (plasmons), levando a um gigantesco efeito de amplificação. Assim, ela consegue sair mais intensa do que era. Simples curiosidade? Imagine as aplicações que poderão surgir desse conhecimento: novas telas eletrônicas, dispositivos nanoamplificadores de luz etc. A redução da dimensionalidade provoca o surgimento de níveis discretos de energia nas nanopartículas, formando cristais e pontos quânticos luminescentes que já começam a ser empregados na nanoeletrônica. O próprio espalhamento da luz sobre nanoestruturas e nanopartículas é um fenômeno bastante inusitado. Por exemplo, na atmosfera o espalhamento da luz pelas moléculas é o principal responsável pela cor azul celeste que apreciamos tanto. Entretanto, também é bem conhecido que no caso de nanopartículas de metais como prata ou ouro, o espalhamento da luz é intensificado por várias ordens de grandeza, produzindo um efeito denominado SERS (Surface Enhanced Raman Scattering). Esse efeito permite estender o limite de detecção de espécies químicas através da espectroscopia Raman, até o nível de traços. Outro fato curioso é aquela cor azul iridescente encontrada em asas de borboletas e em gemas como as opalas. Acredite, essa cor vem da interferência quântica entre as ondas de luz difratadas pelas nanoestruturas presentes! Tal efeito, que tem proporcionado tanta beleza na natureza e em obras de arte, já foi magnificamente trabalhado por Israel Pedrosa, que a chamou de "a cor inexistente".

Mas o assunto mais desafiador na Nanotecnologia ainda continua sendo a própria vida. Hoje as moléculas começam a ser exploradas como nanomáquinas e nanodispositivos, a exemplo das enzimas, do DNA e do complexo neuronal. Desvendando as nanomáquinas biológicas, poderemos mimetizar inúmeros processos que sustentam a vida e dessa forma contribuir para a remediação dos problemas e melhorar a qualidade do meio ambiente. O homem já começa a fazer computação com DNA e com portas lógicas moleculares. E a evolução material já aponta para os novos rumos moleculares preconizados por Jean-Marie Lehn.

Estratégia

Atualmente, como grande portadora de futuro, a Nanotecnologia se configura como assunto estratégico de máxima prioridade nos países desenvolvidos e também em países em desenvolvimento acelerado, como a China e a Coréia do Sul. O investimento global situa-se na faixa de três bilhões de dólares/ano, só no nível governamental, distribuindo-se de forma equilibrada entre os quatro blocos: Japão, EUA, UE e o conjunto formado pelos demais países. Tal investimento vem sendo crescente, alimentado pela expectativa de que em dez anos a Nanotecnologia deverá movimentar mais de um trilhão de dólares na economia mundial.

No Brasil os investimentos ainda são muito modestos, mas mesmo assim já foram feitos avanços importantes na estruturação de quatro redes nacionais em Nanotecnologia, além de várias sub-redes temáticas e três Institutos do Milênio, mobilizando mais de 300 pesquisadores e 600 pós-graduandos em todo o país.

Na opinião deste autor, os químicos e empresários brasileiros do setor ainda vêm tendo uma atuação bastante tímida nessa área, talvez em parte pelo desconhecimento do assunto, que paradoxalmente se confunde com a própria Química. Muitos ainda não perceberam que a Nanotecnologia é um poderoso instrumento de capacitação, que além de promover a inovação tecnológica, também pode melhorar a qualidade dos produtos através da assimilação de recursos e procedimentos mais inteligentes, modernos e evoluídos.

Finalmente, é importante destacar que a Nanotecnologia ainda se apresenta como uma área de prospecção aberta e isso oferece uma grande oportunidade a ser aproveitada pelo Brasil. Nesse sentido, é imperativo que novos nichos tecnológicos sejam identificados e consolidados. Disso, o governo já está ciente; mas o setor empresarial não pode permanecer dormente. Tem sido dito com freqüência que o país perdeu o bonde da microtecnologia. Será que também irá perder o bonde da nanotecnologia?

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O autor
Henrique Eisi Toma é professor titular e um dos responsáveis pelo Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia do Instituto de Química da USP. Entre as várias distinções que recebeu ao longo de sua carreira está o Prêmio Fritz Feigl, outorgado pelo CRQ-IV em 2001. Toma tem vários trabalhos publicados, entre os quais o livro "O mundo nanométrico", que terá dois exemplares sorteados dia 07 de março de 2005. Contatos com o autor podem ser feitos pelo e-mail: henetoma@iq.usp.br. 




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