Os profissionais que trabalham na indústria de cosméticos devem ficar atentos: na última edição de sua revista, o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP) anunciou sua intenção de propor uma resolução que garanta ao farmacêutico a exclusividade nos processos de elaboração e produção de cosméticos. Assim como tentou na indústria farmacêutica, pretende aquele Conselho ampliar o mercado de trabalho de sua categoria a partir eliminação dos profissionais da química também dessa área.
Apesar da proposta ainda estar no campo das pretensões, poderá se configurar num caso de proporções muito sérias, pois o ramo cosmético emprega um número maior de profissionais da química. Soma-se a isso o fato de que, por se tratar de uma área afim, a legislação permite que uma fabricante de cosméticos tenha um químico ou um farmacêutico como responsável técnico. Isso significa que as indústrias que optaram por manter profissionais da química em seus quadros seriam diretamente atingidas por uma eventual mudança nas regras e, necessariamente, teriam de substituir grande parte do pessoal responsável pela produção e pesquisa para se enquadrar nas pretensões do CRF-SP. Levantamento recente indicou a existência de aproximadamente 600 indústrias cosméticas no estado de São Paulo. Destas, mais de 400 seriam prejudicadas, pois estão registradas no CRQ-IV e a maioria de seus profissionais são químicos ou engenheiros químicos.
O escândalo envolvendo o contraste radiológico Celobar e a afirmação de que produtos cosméticos entram em contato com a pele do consumidor são os argumentos usados pelo CRF-SP para defender a mudança. Esses fatos mostram "a necessidade da exclusividade do farmacêutico nesta área de produção, pois sua formação inclui, além de química, a bioquímica, toxicologia e a farmacologia, habilitando-o a prever reações do organismo humano às substâncias químicas" comentou um dirigente do CRF-SP na reportagem.
Essas justificativas, contudo, parecem ser de difícil sustentação, pois, em tese, qualquer produto químico pode entrar contato com a pele, inclusive os que não forem produzidos para isso, comparou o diretor executivo do CRQ-IV, Manlio de Augustinis.
Além dos transtornos econômicos, operacionais e sociais que provocaria, advertiu o executivo, a proposta divulgada pelo CRF-SP, se concretizada, se configuraria numa nova aberração jurídica: uma resolução com poderes para mudar a legislação trabalhista. É que tanto os decretos que regulamentaram as duas profissões, quanto a CLT não classificam a área de cosméticos como privativa de uma ou outra categoria, observou Augustinis.
De acordo com a
Resolução 335/99, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, cosméticos, itens de higiene pessoal e perfumes são produtos que têm o objetivo exclusivo de limpar, perfumar, alterar a aparência e ou corrigir odores corporais. Ou seja, um cosmético não pode curar o organismo.
Assim, se a sociedade passar a se guiar pela falsa analogia do CRF-SP, concluiremos que qualquer produto químico que entre em contato com a pele precisará ter sua produção supervisionada por um farmacêutico. Nesse ritmo, o passo seguinte será fechar as escolas de química e recomendar aos profissionais que joguem seus diplomas no lixo, já que a própria existência da profissão deixará de ter sentido.