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Mai/Jun 2003 

 


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Artigo - NO: tamanho não é documento
Autor(a): Etelvino Bechara


Em 1987, com a descoberta por Ignarro, Moncada e outros pesquisa­dores de que o óxido nítrico (NO) era o gás vasodilatador derivado das paredes internas dos vasos (endotélio), responsável direto pelo controle da pressão sanguínea, esta pequena molécula, diatômica, escapou das mãos e mentes dos químicos de coordenação, químicos da atmosfera e engenheiros químicos e, veloz e vigorosamente, inundou, abalou e alicerçou as bases da Medicina moderna(figura 1). Nos cinco anos seguintes, o Web of Sciences (Institute for Scientific Information) registrou a publicação de mais de seis mil artigos sobre o NO, dezessete mil no qüinqüênio seguinte e mais de vinte mil nos úl­ti­mos cinco anos. Em 1992, a American Association for the Advancement of Science elegeu o NO como a molécula do ano (Science, 1992) e Ignarro com outros dois cientistas ganharam o Nobel de Medicina de 1998.

O NO já era conhecido por Faraday e Gay Lussac, no século XIX, como um gás facilmente difusível no ar e líquidos, paramagnético (portanto um radical livre), cerca de dez vezes mais solúvel em solventes orgânicos que em água, tal como o oxigênio molecular (O2). Sua alta reatividade química com compostos tiólicos (R-SH), levando à formação de S-nitrosotióis (R-SNO), e rápida coordenação a metais de transição tais como íons de ferro e cobre, associadas ao antigo uso de medica­mentos nitrados (R-NO2) e nitrosados (R-NO), do tipo de nitroprussiato de sódio, nitrito de amila e mesmo a nitroglicerina como anti-hipertensivos, foram pistas importantes para a descoberta da natureza química do endothelium derived relaxing factor (fator EDRF), identificado como sendo o NO. O achado de Ignarro e Moncada foi o ponta-pé inicial para a revelação de rico e sofisticado repertório de funções biológicas do NO, algumas benéficas e outras deletérias.O NO regula o tônus e a permeabilidade vascular, a adesão celular, a neurotransmissão, a adesão plaquetária, a bronco­dilatação, o sistema imunológico e a função renal, mas inibe a atividade de várias metaloenzimas, induz a peroxidação das membranas das células e lesão química do DNA, depleta os estoques de antioxidantes e aumenta a suscetibilidade de tecidos à radiação, metais pesados e agentes alquilantes. Portanto, tal como o oxigênio molecular, o NO comporta-se como uma faca de dois gumes: provê vida, mas também mata.

O aminoácido arginina e íons nitrito são as fontes celulares de NO. Enzimas denominadas óxido nítrico sintases (NOS), presentes em quase to­dos os tipos de células (neuronais, epiteliais, macrófagos, etc), catalisam a oxidação de argina por O2 levando à produção de NO. Por outro lado, o suco gástrico e tecidos isquêmicos (como músculo cardíaco) ou inflamados por bactérias, têm pH muito baixo (< 4) e, nestas condições, o nitrito presente se protona ao ácido nitroso, que sofre dismutação a ácido nítrico e NO. Dentro e fora das células, NO e O2 travam intenso e com­plexo diálogo químico através de seus produtos de reação - NO2, O2 (ânion radical superóxido), HO (radical hidroxila), ONOO- (ânion peróxinitrito), CO3 (ânion radical carbonato) - através de inúmeras reações de oxidação, nitração e nitrosação, que desencadeiam respostas biológicas de vida e morte. Para ilustrar a altíssima capacidade oxidante destas espécies de oxigênio e nitrogênio, basta mencionar que o radical hidroxila (Eº = +2,3 V), o radical carbonato (Eº = +1,8 V) e o peróxinitrito (Eº = +1,4 V) têm potenciais de redução comparáveis ao do íon permanganato (Eº = + 1,5 V), dicromato (Eº = +1,3 V) e Ce4+ (Eº = + 1,6 V); lembro que quanto mais positivo é o potencial padrão de redução (Eº ), mais fortemente oxidante é a espécie. Como ambos os gases, O2 e NO, são mais solúveis em ambientes apolares, hidrofóbicos, é de se esperar que sua química oxidativa e nitrosativa ocorra preferencialmente em tecidos ou estruturas mais gordurosos como é o caso do cérebro, membranas celulares e ateromas.

A (bio)química anunciada e aplicada do NO colocou vários medica­mentos nas prateleiras das farmácias. Sem sombra de dúvidas, o de maior impacto foi um análogo de cafeína chamado sildenafil (Viagra®, do laboratório Pfizer)- um vasodilatador peniano amplamente utilizado hoje no tratamento da impotência masculina, o qual trouxe felicidade e equilíbrio para milhões de famílias. O mecanismo da vasodilatação inicia-se pela ativação da NO sintase por vários sinais da corrente sanguínea e o seu produto, o NO, se difunde para a cama­da muscular subjacente ao endotélio onde se liga ao íon de ferro da guanilato sintase, ativando-a (figura 2). Esta enzima produz o cGMP (guanosina monofosfato cíclico), uma molécula mensageira da captação de cálcio por estruturas subcelulares, impedindo a contração muscular que sabidamente é dependente de cálcio. O músculo do corpo cavernoso então relaxa, permitindo maior afluxo do sangue e o conseqüente enrijecimento do pênis. Acontece que a vida média do cGMP é diminuída pela ação hidrolítica de uma fosfodiesterase que o trans­forma em GMP, não ativo na contração muscular, e moléculas parentes da cafeína, como é o caso do sildenafil, inibem esta enzima (figura 3). O resultado final é o aumento da vida média do cGMP e, conseqüentemente, aumento do vigor e tempo de endurecimento do pênis. Recentemente, mais dois inibi­dores da fosfodies­terase do cGMP, análogos do sildenafil, foram lança­dos no mercado para trata­mento da impotência masculina: o Tadalafil (Cia­lis®, do laboratório Eli Lilly) e o Varde­nafil (Levitra®, dos laboratórios Bayer e GlacoSmith-Kline).

Centenas de grupos de pesquisa em todo o mundo continuam a pesquisa de novas fontes químicas e enzimáticas de espécies reativas de oxigênio e nitro­gênio, estudam sua reatividade com biomoléculas e estruturas celulares e buscam aplicações deste conhecimento para intervir de forma inteligente e eficaz na saúde humana. No Brasil, destacaria a atuação de vários químicos que têm dado relevantes contribuições à química e aplicações médicas do óxido nítrico e seus derivados oxidantes. No Instituto de Química da USP, a Profª. Ohara Augusto, química especialista na técnica de Ressonância Paramagnética de Elétron (EPR), provou a formação de radical hidroxila na homólise do ácido peróxinitroso, evidenciou a formação do radical carbonato em misturas peróxinitrito/carbonato, detectou radicais de enxofre em várias proteínas e, recentemente, elucidou eventos radica­lares importantes na leismaniose. Foi conferencista convidada da reunião da American Che­mi­cal Society de 2002. No HEMO­CENTRO (São Paulo), os trabalhos do químico Dr. Hugo Peque­no Monteiro sobre vá­rias rotas de sinalização química celular química, envolvendo enzimas-chave do metabolismo humano, deram-lhe também projeção internacional. O Drº Marcelo Ganzarolli de Oliveira, no IQ da UNICAMP, está sintetizando novos doadores de NO e imobilizando-os nos stents usados em angioplastia para prevenir processo inflamatório precursor de re-estenose, em colaboração com o Drº Francisco Laurindo, do INCOR. Este último pesquisador tem se destaca­do nas reuniões da Ameri­can Heart Association, como descobridor de processos radicalares envolvidos na lesão mecânica produzida pelo cateter na angioplastia. Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a Drª Dulcinéia Abdalla elucidou mecanismos importantes implicados na oxidação do LDL e conseqüente formação de ateromas (placas) nos vasos e, no nosso Instituto, meu grupo de pesquisa tem estudado reações de metabólitos carbonílicos e imínicos, acumulados nos tecidos de pacientes portadores de várias patologias (exemplo: porfiria aguda intermitente, diabetes, cetoacido­ses), com espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, em especial o peróxinitrito. Estes são apenas alguns exemplos de pesquisas realizadas no Brasil nesta área do conhecimento, ainda em crescimento exponencial, segundo o banco de dados do National Institute of Health (USA) e extremamente promissora.

Etelvino Bechara é Professor Titular do Instituto de Química da USP e venceu o Prêmio Fritz Feigl deste ano. Contatos podem ser feitos pelo fax (011) 3815-5579 ou pelo e-mail: ebechara@quim.iq.usp.br




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