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Mai/Jun 2002 

 


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Artigo: a dupla face do oxigênio
Autor(a): por Etelvino J. H. Bechara


Quase dois séculos após estrelar a revolução química de Lavoisier, com a publicação do Traité Elémentaire de Chimie, que estabeleceu as bases da química moderna abandonando definitivamente a alquimia, o oxigênio retornou vigorosamente à cena científica em 1969 com a publicação do artigo de McCord e Fridovich no Journal of Biological Chemistry sobre as superóxido dismutases. Estes pesquisadores descobriram que as proteínas estocadoras de cobre nos organismos vivos, até então denominadas cupreinas, também aceleram (fator de 10 milhões de vezes) a eliminação via dismutação de um radical livre - o íon radical superóxido, e as denominaram superóxido dismutases.

Evidentemente, a demonstração da existência de enzimas em microorganismos e células animais e vegetais que usam um radical livre como substrato implica na aceitação de que radicais livres são formados in vivo.

Considerando que radicais livres - espécies químicas com um ou mais elétrons desemparelhados, solitários, em orbitais de energia, portanto paramagnéticos -, são em geral extremamente reativos e oferecem um cardápio muito variado de reações (adições a ligações duplas, abstração de átomos de hidrogênio de outras moléculas, fragmentação, isomerização, oxidoredução etc), aquela constatação foi extremamente provocativa dentro da comunidade científica. Esta descoberta atiçou a curiosidade dos cientistas a testar uma velha hipótese de que o oxigênio deveria ter intrinsecamente uma atividade tóxica, deletéria, em sistemas biológicos, convivendo com sua essencialidade à respiração celular, já que o oxigênio molecular é um diradical livre, portanto também paramagnético (descoberta de Gay Lussac no início do século XIX).

Na década dos cinqüenta, a argentina Rebeca Gershman já havia descoberto que exposição a raios-X, a oxigênio puro, ou ambos, matava camundongos por mecanismos bioquímicos similares, provavelmente envolvendo radicais livres. A partir dos anos setenta, era pós-Fridovich, os cientistas foram então encorajados a pesquisar possíveis fontes endógenas e exógenas de radicais livres e seus alvos celulares preferenciais, implicando-os em eventos bioquímicos normais e patológicos, contestando assim o tabu de que o oxigênio (chamado de "ar eminentemente respirável" no século XVIII) é uma substância essencial e unicamente boa.

Esta dupla face desvendada do oxigênio - provedor de vida, mas simultaneamente ator da degeneração celular e morte - resulta de sua configuração eletrônica com dois elétrons solitários, conferindo à sua molécula um caráter paramagnético e potencial avidez por arrancar elétrons de outras moléculas (por exemplo, açúcares, proteínas, DNA e lipídios das células), lesando-as quimicamente e comprometendo sua atividade biológica.

"O corpo é um conglomerado de matérias químicas; quando elas estão desequilibradas, a doença aparece, e nada, mas apenas medicamentos químicos podem curá-las" (T. Paracelsus, 1527)

Porém, a forte pressão termodinâmica existente para que o oxigênio reaja com as substâncias inorgânicas e orgânicas formando óxidos e liberando calor ("queima", numa linguagem simples) - historicamente relacionada com os conceitos de flogístico de Stahl (Século XVII), combustibilidade e, mais tarde, poder redutor -, é contrabalançada ou mesmo anulada por uma barreira cinética construída por sua configuração eletrônica, que torna proibida a reação do oxigênio com a grande maioria das substâncias, as quais são diamagnéticas.

Por isso, por exemplo, embora haja grande tendência termodinâmica para o papel se queimar quando exposto ao oxigênio, isto não ocorre. Esta reação é extremamente lenta (anos) devido à "proibição de spin" e só ocorre se iniciada com uma chama (palito de fósforo aceso) para vencer a grande barreira de ativação dos reagentes.

Diante de sua incapacidade cinética para reagir diretamente numa única etapa, o oxigênio tem então três caminhos alternativos: (1) sofrer reações por transferência unieletrônica, que resulta em radicais livres potencialmente deletérios; (2) coordenar-se a íons de metais, onde perde sua identidade triplete, paramagnética, e assim desaparece o impedimento de natureza cinética e; (3) absorver energia eletrônica durante irradiação e tornar-se singlete, diamagnético, porém muito reativo e poderoso oxidante de biomoléculas (fenômeno chamado "ação fotodinâmica", atuante na fototerapia, fotosensibilidade genética e fototoxicidade de drogas).

"O corpo é um conglomerado de matérias químicas; quando elas estão desequilibradas, a doença aparece, e nada, mas apenas medicamentos químicos podem curá-las" (T. Paracelsus, 1527)

Porém, a forte pressão termodinâmica existente para que o oxigênio reaja com as substâncias inorgânicas e orgânicas formando óxidos e liberando calor (“queima”, numa linguagem simples) – historicamente rela­cio­nada com os conceitos de flogístico de Stahl (Sé­culo XVII), combustibilidade e, mais tarde, poder redutor –, é contrabalançada ou mesmo anulada por uma barreira cinética construída por sua configuração eletrônica, que torna proibida a reação do oxigênio com a grande maioria das substâncias, as quais são diamagnéticas.

Por isso, por exemplo, embora haja grande tendência termodinâmica para o papel se queimar quando exposto ao oxigênio, isto não ocorre. Esta reação é extremamente lenta (anos) devido à “proibição de spin” e só ocorre se iniciada com uma chama (palito de fósforo aceso) para vencer a grande barreira de ativação dos reagentes.

Diante de sua incapacidade cinética para reagir diretamente numa única etapa, o oxigênio tem então três caminhos alternativos: (1) sofrer reações por transferência unieletrônica, que resulta em radicais livres potencial­mente deletérios; (2) coordenar-se a íons de metais, onde perde sua identidade triplete, paramagnética, e assim desaparece o impedi­mento de natureza cinética e; (3) absorver energia eletrônica durante irradiação e tornar-se singlete, diamagnético, porém mui­to reativo e poderoso oxidante de biomoléculas (fenômeno chamado “ação fotodinâmica”, atuante na foto­terapia, fotosensibilidade genética e fototoxicidade de drogas).

"Um moralista poderia dizer que o ar que a natureza nos deu é bom apenas na medida de nosso merecimento" (J. Pristley, 1775)

Há fortes evidências de que as citadas propriedades do oxigênio estão envolvidas em processos fisiológicos, normais, tão diversos (como a respiração celular, envelhecimento, apoptose, síntese de DNA, fertilização do ovo, neurotransmissão, controle de pressão sanguínea, maturação de frutas, fagocitose (inflamação)) como patológicos (por exemplo, a mutagênese e carcinogênese, anemia hemolítica, talassemia, hemocromatose, granulomatose crônica, catarata, diabetes, artrite, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, mal de Parkinson, doença de Alzheimer, esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, porfirias, trisomia 21, danos associados à isquemia-reperfusão de tecidos e órgãos, doenças auto-imune como a doença de Crohn e xeroderma pigmentosum, doença de Peyronie, AIDS e toxicidade de metais pesados, álcool e inseticidas clorados).

Parece que as mitocôndrias são os principais sítios celulares de formação de oxi-radicais: cerca de 2-3% do oxigênio escapam da redução à água na via respiratória (principal vocação das mitocôndrias) e se transformam em radicais livres, os quais se voltam contra elas e contra outras biomoléculas e organelas celulares, injuriando-as quimicamente e levando-as ao envelhecimento, mutagênese e câncer.

Outro sítio importante de formação de oxi-radicais é o retículo endoplasmático, onde o citocromo P-450 produz radicais derivados do oxigênio e os utiliza em processos de detoxificação de drogas, tais como o benzeno, álcool, inseticidas clorados, paraquat, antimaláricos, antitumorais e antifungais. Aí está uma atividade desejada dos oxi-radicais, embora eles não tenham especificidade suficiente para discriminar outras estruturas moleculares dos hepatócitos e por isso há efeitos secundários indesejáveis como cirrose e hepatoma.

"O oxigênio constitui tanto um benefício quanto uma ameaça aos organismos vivos e aqueles que se capacitaram a usufruir de seus benefícios tiveram, por necessidade, de desenvolver uma série de defesas contra os seus perigos" (I. Fridovich, 1977)

Hoje, há fortes evidências de que não apenas oxi-radicais intervêm nos processos citados, mas também radicais centrados no carbono, no enxofre e no nitrogênio, a molécula-radical NO (óxido nítrico, identificado como o EDRF - fator relaxante derivado do endotélio) e espécies eletronicamente excitadas, como o oxigênio singlete e cetonas tripletes. Todas elas, em virtude de sua enérgica ação oxidante, são chamadas de ESPÉCIES PRÓ-OXIDANTES.

Frente à ação potencial lesiva de radicais livres derivados de oxigênio, torna-se vital um delicado controle da produção e consumo deles dentro das células, ou seja, um fino balanceamento de sua concentração intra e extracelular. Isto é possível graças à atividade preventiva, interceptadora ou reparadora de várias proteínas e enzimas, vitaminas, alguns metabólitos, fármacos e produtos naturais de plantas, denominados conjuntamente de ESPÉCIES ANTI-OXIDANTES.

O primeiro grupo inclui as superóxido dismutases, a catalase, a glutationa peroxidase, a soralbumina, a ceruloplasmina, a apoferritina, a apotransferrina e as enzimas de reparo de lesão em fosfoglicéridos e DNA. O segundo, a vitamina C (ascorbato), vitamina E (a-tocoferol) e carotenóides (b-caroteno, licopeno, bixina, etc). O terceiro, a glutationa, urato e bilirubina; o quarto, flavonóides, compostos tiólicos, furanóides e antioxidantes sintéticos, tais como benzoato, t-butilhidróxitolueno (BHT), e agentes miméticos de enzimas antioxidantes, entre eles, o ebseleno (mimetizador de glutationa peroxidase).

ELIXIR

Têm-se acumulado evidências de que o "elixir da juventude", se foi algum dia encontrado, deve ter sido um coquetel de extratos de verduras, legumes, sementes, raízes e frutas, com destaque para frutas cítricas (ricas em vitamina C), grãos e abacate (ricos em vitamina E), cenoura e tomate (ricos em carotenóides), alho (rico em tióis), uva e vinho tinto (ricos em flavonóides) e muitos outros vegetais ricos em polifenóis.

Há hoje uma forte recomendação dentro da comunidade de bioquímicos e médicos desta área de pesquisa que adotemos uma dieta predominantemente (ou totalmente) vegetariana para garantir boa saúde e longevidade.

A saúde predomina quando os níveis de agentes antioxidantes, ao nível da prevenção, interceptação ou reparo, prevalecem sobre os pró-oxidantes. À medida que o indivíduo envelhece e/ou é exposto a fatores de estresse emocional, nutricional e ambiental (poluição, clima, tabagismo, ingestão supercalórica, hiperóxia, anidrobiose etc), o prato da balança pende mais para o lado pró-oxidante levando o indivíduo à doença e finalmente à morte. Este delicado balanço entre produção e consumo de radicais livres e outras espécies altamente reativas foi denominado BALANÇO ou EQUILÍBRIO REDOX e é tema hoje de muita pesquisa, controvérsia e interesse econômico, obviamente porque concerne beleza física, doença, envelhecimento e morte. Fala-se ainda em ESTRESSE OXIDATIVO, quando o prato da balança pende para maior concentração intracelular de pró-oxidantes, uma condição associada às doenças.

Um pequeno, mas distinguido, grupo de cientistas latino-americanos também deu contribuições pioneiras para o desenvolvimento desta área do conhecimento, entre eles, os profs. Alberto Boveris (Argentina), Eduardo Lissi (Chile) e Giuseppe Cilento (Brasil). O tema de radicais livres expandiu-se excepcionalmente no meio acadêmico nos últimos cinco anos, culminando hoje com a edição de quatro periódicos internacionais, específicos da área - Free Radical in Biology & Medicine, Free Radical Research, Redox Reports, e Oxidative Stress Diseases.
 
BIBLIOGRAFIA
O AUTOR
  1. Autor, A.P., Ed. Pathology of Oxy­­- gen. Academic Press, New York, 1982.
     
  2. Gutteridge, J.M.C. & Halliwell, B. An­tioxidants in Nutrition, Health and Disease. Oxford University Press, Ox­ford, 1994.
     
  3. Halliwell, B. & Gutteridge, J.M.C. Free Radicals in Biology and Me­dicine. 3rd Edition, Clarendon Press, Oxford, 1999.
     
  4. Davies, K.J.A. & Ursini, F., Eds. The Oxygen Paradox. Cleup University Press, Padova, 1995.
     
  5. Weindruch, R.. Caloric Restriction and Aging. In Scientific American, Jan 1996, pp. 32-38.
     
  6. Bechara, E.J.H., Ed. Ciência e Cul­tura 47(5,6) 1995 e 48(1,2) 1996.
     
  7. Babior, B.M. Superoxide: A Two-Edged Sword. Brazilian Journal of Medi­cal and Biological Research 30, 141-155 (1997).


Etelvino J. H. Bechara é Professor Titular do Instituto de Química da USP. Contatos podem ser feitos pelo fax (011) 3815-5579 ou pelo e-mail ebechara@quim.iq.usp.br.
 




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