Polêmica 1: Contestada a eficácia da Glicenina
Autor(a): por Célio Lopes da Silva
A matéria com o titulo "Glicenina: uma nova droga para combater a tuberculose" (Informativo nº 42) ressalta que uma pesquisa realizada pelo Drº Eduardo Peixoto, (pesquisador do Laboratório de Metaquímica e Natureza das Reações, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo) e autor da referida matéria, culminou com a descoberta de uma nova droga para combater a tuberculose, e que os testes foram realizados pelo nosso Laboratório, na Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto/SP.
São várias as nossas considerações a respeito dessa "nova droga" e as mais importantes são relatadas a seguir.
O artigo diz que "a Glicenina foi testada em diferentes cepas de micobactérias pelo método de microdiluição em placa...". Realmente, fizemos os referidos testes em várias cepas de micobactérias. Mas como consta do nosso relatório apresentado ao Dr. Peixoto, os resultados foram positivos somente para uma cepa denominada H37Ra que é a virulenta, ou seja, ela foi colocada no teste somente como referência. Para as cepas realmente patogênicas, tipo H37Rv, o teste foi negativo. Infelizmente, o autor do texto usou somente esse resultado e ignorou os demais para a confecção da matéria.
O teste por nós utilizado é o primeiro de uma série que compõem o nosso "screening" de drogas antimicobacterianas. Para melhor esclarecimento, na microdiluição em placa, a droga a ser testada é colocada diretamente sobre as micobactérias e em seguida verificada a morte dos bacilos - a adição de ácido sulfúrico nesse sistema também daria reação positiva. Além disso, como enfatiza nosso relatório apresentado ao Dr. Peixoto, esse teste serve apenas para estabelecer a proporção de mutantes resistentes a uma cepa de M. tuberculosis em determinada concentração da droga. Isoladamente, esse teste não acrescenta absolutamente nada sobre as propriedades antimicobacterianas da droga e não permite dizer também, como consta do artigo, que "Rifampicina é hoje um dos mais eficazes antibióticos contra a tuberculose e sua atividade, ao que tudo indica, é inferior a Glicenina".
Portanto, para caracterizar uma droga com propriedades antimicobacterianas, ela necessita passar por outros testes, in vitro e in vivo, que estão padronizados no Laboratório. O principal deles é o efeito de drogas sobre micobactérias vivendo dentro de macrófagos. Esse teste, que mostra a ação da droga a nível intracelular, sem causar efeitos tóxicos para a célula hospedeira, não foi realizado com a Glicenina.
Assim, pelos testes que foram feitos em nosso Laboratório, não é possível inferir que a Glicenina seja caracterizada como uma nova droga para combater a tuberculose. Sem a apresentação de outras evidências pelo Dr. Peixoto, o artigo, na presente forma, é no mínimo sensacionalista, tendo sido os dados do nosso Laboratório usados indevidamente e de forma tendenciosa.
Esperamos que esses esclarecimentos sejam publicados no Informativo CRQ-IV.
Célio Lopes Silva é professor titular de Imunologia e Coord. do Centro de Pesquisa em Tuberculose da Fac. de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Ganhou grande projeção recentemente ao apresentar, durante a 52ª Reunião Anual da SBPC, pesquisa que abre a possibilidade de criação de uma vacina gênica contra tuberculose. O estudo, aliás, mereceu destaque há cerca de um ano na prestigiosa revista científica "Nature".