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Jul/Ago 2000 

 


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Polêmica 2: Receita para a boa pesquisa
Autor(a): por Eduardo Peixoto


Surpreso, tomei conheci­mento da carta enviada pelo Professor Célio Lopes da Silva ao CRQ-IV, referente ao nosso artigo sobre a Glicenina. Após ter tenta­do em vão um contato com o mesmo, restou-me o dever de respondê-la.
 
O Professor, como menciona em sua carta, realizou graciosamente alguns testes com microorganismos. É evidente que só os seus testes pouco dizem. No entanto, para a finalidade que tínhamos em mente (as quais ele desconhecia), seus dados tiveram alguma utilidade. Exatamente por isto, fiz questão de mencionar seu Nome e agradecer-lhe.
 
Ora, se mencionei somente o resultado sobre uma bactéria não pa­to­gênica e se paralelamente disse que a substância é ativa contra a tuberculose, é de se supor que muitos outros testes já haviam sido realiza­dos para que eu pudesse sustentar o que dizia. Assim pensaria, creio eu, uma pessoa de bom senso. Porém, a repercussão demonstrou que muitas vezes vemos apenas o que quere­mos. Faz senti­do alguém fazer uma crítica sem conhecer a natureza da substância testada, sua pureza, os testes feitos anteriormente etc? Ou será que alguém está pensando que nada foi feito com a Glicenina e que tudo se resume nos testes feitos pelo caro Professor?
 
Curiosamente, ele teve o bom senso de afirmar em sua carta que os testes realizados em seu Labora­tório não permitem inferir que a Glicenina caracteriza-se como uma nova droga para com­bater a tuberculose. Mas que outra conclusão pode-se tirar desses testes, se no texto só está mencionado a ação da Glicenina sobre uma bactéria não patogênica?
 
Fiquei também surpreso quando na carta são tecidas considerações sobre os passos iniciais para se "caracterizar uma droga com propriedades antimicrobianas". Fiquei surpreso porque, ao que me consta, os que são do ramo sa­bem que aqueles procedimentos foram sistematizados cerca de 20 anos atrás por um grupo de especialistas que, aliás, tive o privilégio de chefiar quando trabalhava na Fundação Oswaldo Cruz. E as normas em vigor hoje pouco diferem daquelas que elaboramos.
 
Não queria também lembrar aqui a nossa experiência pessoal na produção industrial de produtos químicos, vacinas humanas e no estabeleci­mento de normas e padrões no Brasil e no Exterior. Se o faço, é com o intui­to de ser útil a todos que dessa experiência de­pendem.
 
Percebo a necessidade de sermos mais compreensivos e solidários, tornando mais suave a tarefa de outros. Apenas lamento que, ao expressar meu agradecimento, tenha dado a impressão de que estaria usando o no­me do Professor para angariar notoriedade. Seria fácil se assim fosse. Mas, como ele mesmo deve saber, a criatividade de alguém, fatos concretos, o esforço e méritos pessoais são as receitas para bons resultados da pesquisa. Nenhuma substância transmuta-se num bactericida pela simples menção do nome de quem quer que seja.
 
Prezo o Professor Célio e não vejo claramente o motivo de tudo isto. Acho que há problemas e espaço para todos. Numa coisa, no entanto, concordamos: o Informativo CRQ-IV causou uma certa sensação.... mas, afinal, é ou não é sensacional alguém ter o privilégio de achar uma substância contra uma doença que tanto sofri­mento causa? Deveríamos então ficar tristes com o anúncio da sua possível vacina, que tanto aparece na imprensa ultima­mente?
 
Melhor do que ninguém, o Professor Célio sabe que o teste de uma substância com bactérias está para um medicamento assim como o teste de uma outra com camundongos ou ratos está para uma vacina na sua etapa inicial de testes. Da nossa par­­te, mui­tos testes já são conhecidos. Ambas, no entanto, podem falhar ou terem sucesso nas etapas seguintes.
 
Não trabalhei com re­cursos públicos pa­ra chegar à Glicenina, mas mesmo assim a substância já passou por várias fases e testes. Se um dia ela se concretizar numa droga contra a tuberculose, esta será uma outra questão. Por isto, ficarei feliz se a vacina criada pelo Professor Célio prosperar. Que não seja árduo o caminho a trilhar. Sem apegos, pois o importante é minorar o sofri­mento de muitos.
 
Devo dizer que há de fato Nomes que não devemos usar em vão. Só lamento não ter conhecido a lista completa. Desejo ao caro amigo e ao seu Grupo os maiores sucessos. Só não agradeço de novo a gentileza porque já não sei como fazê-lo.
 
Autor do artigo que foi matéria de capa da edição nº 42 do Informativo, Eduardo Peixoto é pesquisador do Laboratório de Metaquímica e Natureza das Reações do IQ-USP. Na década de 80, foi vice-presidente de Desenvolvimento Tecnológico e diretor do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (RJ). 




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