Perto de cem milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto. Esse número representa mais da metade da população do País, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 190,8 milhões de pessoas. A unidade da federação que apresenta o pior índice nessa área é o Amapá, onde 97,36% da população não dispõem do serviço. São Paulo, com déficit de 14,44%, é o estado em melhor situação. Essas são algumas das informações reveladas pela pesquisa Saneamento, Saúde e o Bolso do Consumidor, realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em novembro de 2008. O estudo foi encomendado pelo Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que desenvolve ações voltadas a universalizar o acesso da população à infraestrutura de coleta e tratamento de esgotos.
Tradicionalmente, o conceito de saneamento básico inclui, além da coleta e tratamento de esgotos, a distribuição de água tratada. O Trata Brasil foca suas atividades apenas na área de esgotos, já que o acesso à água tratada é bem maior: mais de 80% da população é beneficiada pelo serviço.
O Químico Industrial Édison Carlos, membro do Conselho Superior da entidade, explica que os governos englobam os serviços de limpeza urbana e de drenagem de águas pluviais no conceito de saneamento. Por isso, segundo ele, é comum que muitas prefeituras afirmem ter gasto milhões de reais em obras de saneamento sem direcionar nada à coleta de esgotos. Além de atuar no Trata Brasil, Édison Carlos é Gerente de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa, empresa que apoia o instituto desde a sua fundação.
Nos locais onde o serviço de coleta de esgoto é inexistente, os dejetos são lançados diretamente em córregos, rios e mar ou acumulados em fossas. Além disso, mesmo em cidades onde há redes coletoras, dois terços do esgoto captado não são tratados e acabam tendo o mesmo destino poluidor e disseminador de doenças. A pesquisa da FGV mostra que cada R$ 1,00 investido em saneamento representaria uma economia de R$ 4,00 em gastos com saúde. Esse dado se explica porque o esgoto provoca contaminação da água e causa doenças – principalmente a diarréia, que, de acordo com dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), levam à morte sete crianças por dia no País, além de provocar 700 mil internações hospitalares por ano.A falta de saneamento afeta não apenas a saúde, como também agrava problemas sociais e econômicos. Outra pesquisa da FGV, divulgada em abril de 2008, intitulada Saneamento, Educação, Trabalho e Turismo, revelou que o aproveitamento escolar de crianças que não têm acesso a saneamento básico é 18% menor se comparado ao dos demais alunos. A pesquisa indicou, também, que os trabalhadores sem acesso a saneamento apresentam um índice de faltas ao trabalho 11% maior.
O engenheiro Raul Pinho, presidente do Trata Brasil, conta que a população que vive em meio a córregos contaminados, por falta de conhecimento, não associa o esgoto a céu aberto como causa de muitas doenças que a atingem. "Já estivemos em comunidades em que a mãe vê as crianças brincando nas valas negras e não do esgoto; ela reclama da falta de médico e de remédios para tratar a criança", compara.
Diante desse cenário, a estratégia adotada pelo Trata Brasil foi desenvolver trabalhos de conscientização e mobilização da população. As ações incluem a elaboração de pesquisas, a veiculação de campanhas de rádio e televisão e até mesmo a pressão direta em diversos setores do governo para a alocação de recursos. A entidade possui uma parceria com a Pastoral da Criança, cujos voluntários estão constantemente em contato com moradores de comunidades carentes instruindo-os sobre essa questão. Além disso, o instituto divulga informações por meio do programa que a pastoral leva ao ar em mais de duas mil rádios comunitárias no País, e de encartes e
artigos publicados no jornal dessa entidade, que são distribuídos para 300 mil famílias.
O instituto conta com diversos "embaixadores", entre eles os atores Wagner Moura e Giovanna Antonelli, a ginasta Daiane dos Santos, o jogador de vôlei Giovane e a fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns. O papel dessas pessoas é dar maior publicidade ao tema, atraindo a atenção do grande público para o problema. O site da entidade (www.tratabrasil.org.br) mantém vídeos com essas personalidades.
Investimentos - Os recursos para ações de saneamento vêm principalmente do orçamento da União e de financiamentos obtidos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).Segundo dados do Trata Brasil, o País investe um terço do necessário em programas de saneamento. No entanto, é importante ressaltar que o governo federal tem aumentado os investimentos nessa área.
Em 2007, o orçamento da União para o setor teve uma injeção extra de recursos por conta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A verba total do PAC para programas de saneamento básico é de R$ 40 bilhões, a serem utilizados em quatro anos. Para ter acesso a esses recursos, as prefeituras e as concessionárias prestadoras de serviços de saneamento devem apresentar seus projetos de infraestrutura ao Ministério das Cidades.
O problema é que muitos municípios não fazem isso, seja por falta de vontade política, por desinformação ou por falta de condições mesmo. Por esta razão, um dos trabalhos do Trata Brasil é incentivar a população local a pressionar o prefeito. "Existem cidades pequenas que sequer têm engenheiro para fazer esse projeto", ressalta Édison Carlos. Nesses casos, o instituto recorre a parcerias com entidades como a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes) e a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), que fornecem apoio técnico para os municípios.
Por conta de tais dificuldades, Raul Pinho acredita que nem R$ 2 bilhões – dos R$ 40 bilhões do PAC – foram efetivamente gastos até hoje. O engenheiro observa que se deve levar em conta, porém, o fato de que a liberação dos recursos demora de um ano e meio a dois, e que o PAC foi iniciado há dois anos apenas.
Apesar disso, o PAC já tem mostrado resultados. Dados das pesquisas feitas pela FGV revelam que, em 2007, houve uma queda de 5% no déficit de saneamento em comparação a 2006. Se esse ritmo de desenvolvimento se mantiver, em 20 anos será possível universalizar o acesso ao serviço de saneamento no País.
Uma boa notícia é que, segundo Pinho, a atual crise econômica mundial não deve causar impacto nesse setor."Como o dinheiro vem principalmente do FGTS e do FAT, a menos que haja um desemprego muito grande, a crise não afetará o fluxo de recursos", prevê.
Empregos – Além do impacto positivo na saúde, o aumento dos investimentos na área de saneamento também gera muitos empregos. Dados do Trata Brasil mostram que cada R$ 1 milhão investido no setor gera 50 empregos diretos e indiretos. Se forem destinados R$ 10 bilhões ao ano, conforme prevê o PAC, haveria a geração de 500 mil novos postos de trabalho anuais.
É claro que uma parcela desse bolo refletirá em mais empregos para os pro-fissionais da química, acredita Édison Carlos. Ele ressalta, contudo, que o provável aumento de postos de trabalho em função dos investimentos em saneamento terá um ritmo menor se comparado ao setor de engenharia civil, por exemplo.
Mas o executivo chama a atenção para o fato de que, quando se fala em saneamento, o campo de trabalho do Profissional da Química não se limita ao tratamento de água e esgoto."Tem químico na indústria de cimento, na indústria siderúrgica, na indústria de plástico, na indústria de resinas termoplásticas etc. O químico está em todas as cadeias que envolvem os processos de tratamento de água e esgoto",salienta.
Segundo ele, o setor privado vai na carona do aumento da capacidade do governo de investir. "Nós, que estamos na indústria, dependemos também da evolução do mercado. Com a paralisação do saneamento ao longo dos anos,as empresas fabricantes de resinas plásticas, de tubos e conexões e outras voltadas para a área acabaram direcionando suas baterias para outros mercados. Conforme o saneamento vai melhorando, aumenta o fluxo de materiais necessários para garantir essa infraestrutura", finaliza o Químico Industrial.