Uma sentença proferida pelo juiz Alessander Marcondes França Ramos, da Comarca de Catanduva/SP, criou um precedente que poderá inibir manobras protelatórias adotadas por empresas e pessoas processadas pelo CRQ-IV por infração à legislação dos Químicos. Além de julgar improcedente a ação de embargos à execução fiscal, o juiz considerou a parte contrária litigante de má-fé (aquele que mente em juízo), condenando-a ao pagamento de indenização, multa, honorários e outras despesas processuais.
O caso começou em 1995, quando a fiscalização do Conselho flagrou Rosemary de Fátima Oliani Danin, que não tinha formação na área química, trabalhando como chefe de laboratório e de controle de qualidade da Usina Cerradinho Açúcar e Álcool S.A. Com base na legislação em vigor, o Conselho multou aquela funcionária por exercício ilegal da profissão.
Como ela não se afastou das atividades na empresa e nem pagou a multa, restou ao CRQ-IV levar o caso à Justiça. Sem poder negar que estava atuando em função privativa dos profissionais da química, Rosemary alegou em sua defesa que a multa era ilegal pois, como não era registrada no Conselho, não havia razão para que lhe fossem cobradas "anuidades". Como se nota, ela confundiu (ou tentou confundir) o motivo da ação.
Essa argumentação foi encarada pelo juiz não só como uma confissão explícita de exercício ilegal da profissão, como também uma tentativa de tumultuar o processo. "Em momento algum se procedeu a cobrança das anuidades. O objeto da presente execução é a cobrança de multa", observou o juiz Ramos, acrescentando que, por essa razão, considerava os embargos meramente protelatórios.
Na segunda parte de sua sentença, o juiz passou a analisar a conduta processual de Rosemary. Ele lembrou que se a Constituição Federal de 1988 introduziu o princípio do contraditório para possibilitar o mais amplo direito defesa, em nenhum momento "permitiu que fossem alegadas mentiras ou distorcida a verdade, ou ainda que se produzisse incidente manifestamente infundado ou protelatório". A seguir, afirmou que a utilização dos embargos foi uma forma de Rosemary postergar o pagamento (da multa) com a expectativa, ao que tudo indica, de beneficiar-se de alguma anistia. Esse tipo de procedimento, salientou, deve ser desestimulado e repreendido pelo Poder Judiciário.
Por fim, ao considerar que a litigância de má-fé é um atentado contra a dignidade da Justiça, o juiz Alessander Marcondes França Ramos rejeitou os embargos e condenou Rosemary de Fátima Oliani Danin ao pagamento de indenização, em favor do Conselho, de 20% do valor da causa por ter tentado atrasar o andamento do processo – ajudando assim a congestionar ainda mais o Judiciário com um caso sem sustentacão –, de uma multa, pelos mesmos motivos, de 1% do valor da execução, em favor do Estado, além do pagamento das demais despesas processuais, incluídos honorários de 15% do valor da causa.
Prática é comum
Segundo Cátia Stéllio Sashida Balduino, gerente do Departamento Jurídico do Conselho, é comum em casos semelhantes que os executados pela entidade apresentem argumentos buscando convencer juízes de que o CRQ-IV, ao invés de multas, está pedindo o pagamento de anuidades. A anuidade, explica Cátia, só é devida por empresas e profissionais registrados. Para se registrar, as empresas devem exercer atividade na área da química e os profissionais precisam demonstrar que possuem título acadêmico correspondente. "O Conselho não promove o registro ex-officio (unilateral) com o intuito de exigir a todo custo o pagamento de anuidades. Isso sim seria uma ilegalidade", comparou.
Na avaliação da advogada, a rigorosa decisão do juiz Alessander Marcondes França Ramos trouxe à tona a necessidade de reflexão sobre o que é justo, inclusive sobre o que deve ser submetido ao crivo do Judiciário. "Como bem ponderado pelo juiz, o princípio da ampla defesa e do contraditório não permite a alegação de mentiras ou a distorção da verdade, servindo o processo como meio de perpetuação do injusto", ressaltou.