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Nov/Dez 1999 

 


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Os 200 anos da pilha que já foi uma pilha
Autor(a): por José Atílio Vanin


Quem pode imaginar viver sem dispor de pilhas? Em quantas coisas diferentes elas podem ser usadas? Quantos tipos de pilhas existem? Quem foi seu inventor? E onde a química entra nessa história?
 
Quando o ano de 1799 estava terminando, o físico italiano Alessandro Volta (1745-1827), professor de física na Universidade de Pavia (Itália), conseguiu obter faíscas elétricas e choques a partir de uma pilha de discos de diferentes metais, do tamanho de uma moeda.
 
Volta, depois de testar vários materiais, construiu um aparelho que repetia, sistemática e alternadamente, discos de prata, zinco e papel ou tecido absorvente umedecido com água e sal. Cerca de 30 desses conjuntos de três discos eram mantidos empilhados, apoiados em um suporte de hastes verticais de madeira (Fig. 1). Quando se aproximavam as extremidades de dois fios de cobre, um previamente ligado à base e outro ao topo da pilha, saltava uma faisca elétrica.
 
Volta escreveu um trabalho cientifico, na forma de uma carta datada de 20 de março de 1800, relatando estes resultados originais e o encaminhou à Royal Society de Londres, que o publicou (figura 3).
 
Na época, existia um grande interesse em torno da eletricidade e suas possíveis aplicações práticas. Assim, em novembro de 1801, Volta foi convidado por Napoleão Bonaparte, então Cônsul da França, para demonstrar- lhe os efeitos elétricos da pilha, no Instituto Nacional da França (Fig. 2) Napoleão, apesar de seu perfil de guerreiro, dominador de nações e valorizador de ações bélicas, nunca menosprezou a ciência. Este Imperador aproveitou do processo de obtenção do açúcar de beterraba, desenvolvido pelo químico alemão A S Marggraf (1709-1782), para implantar a indústria desse produto na França. Isto sem contar que o bom resultado militar dos exércitos napoleônicos foi em grande parte garantido pela alta qualidade da pólvora, que foi aperfeiçoada a partir de critérios sobre reações químicas durante o período em que A. L. Lavoisier (1743-1794) dirigiu o arsenal francês.
 
Hoje em dia, as pilhas têm mais aplicações do que se imagina. Todo automóvel usa baterias chumbo-ácidas. Baterias costumam ser conjuntos de pilhas. Cada pilha fornece um tensão elétrica, que é medida em volts, uma unidade física cujo nome é, obviamente, uma homenagem.
 
As baterias costumam ser associações em série de pilhas, o que permite obter maiores tensões elétricas. No caso de automóveis de passeio, as baterias são conjuntos de seis pilhas de grades de dois tipos, uma de chumbo e outra de chumbo revestido com óxido de chumbo, mergulhadas em ácido sulfúrico.
 
Os telefones celulares, ao longo desta década, usaram pelo menos três tipos de bateria: as de níquel-cádmio, as de níqucl-hidreto metálico e atualmente as de íon lítio. Relógios de pulso, calculadoras portáteis e os portáteis ponteiros laser dos conferencistas usam pilhas na forma de um botão, feitas de óxido de mercúrio ou óxido de prata. Os pequenos aparelhos de surdez usam pilhas baseadas em zinco e oxigênio do ar, uma tentativa de produzir uma pilha que minimize as agressões ambientais. E para terminar, muita gente com problemas cardíacos se utiliza de marca-passo movido por uma pilha de lítio-iodeto de lítio.

Um pouco sobre Volta
 
Alessandro Volta nasceu em 18 de fevereiro de 1745, na cidade de Como, Itália. Seu talento se manifestou em um divertimento pouco comum: o de escrever versos em latim. O interesse pelos fenômenos elétricos o levou a estudar os relatos sobre as experiências dos especialistas da época, como o holandês Petrus van Musschenbroek (1692-1761), o abade francês Jean Antoine Nollet (1700-1770) e o italiano Giovanni Batista Beccaria (1716-1781), inventores de dispositivos fundamentais, como a garrafa de Leyde (o primeiro condensador elétrico), o eletroscópio (o primeiro dispositivo para visualizar facilmente a presença da eletricidade) e dos conceitos sobre cargas elétricas e suas manifestações.

Pântano
 
A partir do seu interesse por eletricidade, Volta realizou uma descoberta química, desenvolveu técnicas de análise e foi precursor e pioneiro em áreas que chamamos, sem dúvidas, de modernas.
Com apenas 24 anos, em 1769, publicou seu primeiro trabalho, escrito, como habitual na época, na língua latina. O titulo pomposo era De vi attractiva ignis eletrici ou Sobre a força atrativa do fogo elétrico. Foi o marco inicial para as realizações multidisciplinares.
 
Em 1775, por decisão dos governantes de sua cidade natal, recebeu a "cátedra de física experimental" do Ginásio Real de Como. Nas férias de 1776, em um passeio de barco no Lago Maggiore percebeu que se o fundo limoso fosse cutucado com uma vara, desprendiam-se grande bolhas gasosas que, se recolhidas em frascos de laboratório, podiam ser queimadas.

Volta batizou a substância gasosa de ar inflamável nativo dos pântanos. Deste modo, ele descobriu o gás metano, que depois os químicos estabeleceram ser o mais simples do grupo dos hidrocarbonetos -, formado apenas de carbono e hidrogênio-, de fórmula CH4. Trata-se da substância constituinte fundamental do biogás, gerado naturalmente na decomposição de vegetais, seja em pântanos ou nos atuais geradores de biogás, utilizados como fonte alternativa de energia.
 
Volta pensou em como poderia provocar a combustão explosiva desse gás através de uma faisca elétrica. Para isso, desenvolveu, com sucesso, um balão semiesférico, de gargalo longo, com dois eletrodos na base. Abastecido com metano e ar, ao aplicar-se nos eletrodos um dispositivo capaz de gerar uma descarga elétrica, obtinha-se estrondosa explosão, equivalente a um tiro de arma de fogo. Por isso, o dispositivo passou a ser conhecido como pistola de Volta.
 
O cientista transformou esse equipamento em um instrumento quantitativo para medir a força de uma explosão. Não contente, em mais um aperfeiçoamento, desenvolveu um método para determinar a quantidade de oxigênio presente no ar, através da intensidade da explosão obtida com pistola. Eis aqui uma dimensão pouco recordada acerca de Volta e que, ao lembrarmos da relevância de se conhecer as possíveis variações das concentrações de oxigênio presente no ar, caracteriza o cientista como um precursor das avaliações quantitativas em Ciência Ambiental.

Telégrafo
 
Uma experiência significativa, também de 1776, visou transmitir um sinal elétrico através de um longo fio, estendido entre Como e Milão (distantes cerca de 45 a 50 km). Na ponta milanesa, foi colocada uma pistola de Volta e na extremidade de Como se procedeu à descarga da eletricidade acumulada em uma garrafa de Leyde (condensador elétrico). Constatou-se a recepção da faísca em Milão, materializada pela efetiva explosão da pistola. Quem não vê aqui uma rústica transmissão de telégrafo por fio, que se viabilizaria apenas em 1837, pouco mais de meio século depois, com o sucesso do chamado código Morse?
 
Em 1778, o Conde Firmian nomeou Volta para o cargo de ambíguo título de "Professor de Física Particular" na Universidade de Pavia. Nessa atividade, ele formulou, a partir da experimentação, a equação dos condensadores, que estabelece que a carga acumulada corresponde ao produto da capacidade do condensador pela tensão elétrica. A unidade de tensão elétrica na atualidade recebe, em nítida homenagem, o nome de volt.

 
O autor é professor do Instituto de Química da USP, vice-diretor da Fuvest e Conselheiro Titular do CRQ-IV. Contatos podem ser feitos pelo e-mail javanin@mail.fuvest.br.




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