Artigo - Reconhecida a descoberta do elemento 112: copernício (?)
por Romeu C. Rocha-Filho
A descoberta do elemento com número atômico 112 foi oficializada no dia 22 de maio deste ano, quando um relatório técnico1 da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) sobre sua descoberta foi divulgado no sítio da revista Pure and Applied Chemistry, periódico oficial da entidade. Por enquanto, este novo elemento continua sendo referido pelo nome sistemático unúnbio, mas em breve a IUPAC analisará a proposta de um nome definitivo feita por seus descobridores, um grupo liderado por Sigurd Hofmann, do Centro de Pesquisas sobre Íons Pesados (GSI), de Darmstadt, Alemanha.
O grupo sugeriu que o elemento seja chamado copernício (Cp), em homenagem ao polonês Nicolau Copérnico, primeiro astrônomo a propor uma cosmologia heliocêntrica compreensível. Na nota do GSI que divulgou esta proposta2, Hofmann afirma: “Após a IUPAC ter reconhecido oficialmente nossa descoberta, nós – isto é, todos os cientistas envolvidos na descoberta – acordamos em propor o nome copernício para o novo elemento 112. Gostaríamos de homenagear um cientista de destaque, que mudou nossa visão do mundo”.
A prioridade para a descoberta de um novo elemento só é reconhecida se atender a critérios estabelecidos conjuntamente pela IUPAC e IUPAP (União Internacional de Física Pura e Aplicada) no início da década passada. O principal deles é “a demonstração experimental, sem sombra de dúvidas, da existência de um nuclídeo de número atômico Z anteriormente não identificado, existindo por pelos menos 10-14 s”. Maiores detalhes sobre estes critérios e a descoberta de elementos transurânicos (ou transactinídicos, se Z > 103) podem ser encontradas em artigo publicado na revista Química Nova3.
Cabe destacar que a descoberta de um novo elemento só é reconhecida pela IUPAC se um grupo de trabalho nomeado conjuntamente com a IUPAP analisar os dados apresentados por supostos descobridores e determinar que esses dados preenchem os critérios acima referidos. Na época em que estes critérios foram estabelecidos, já havia grupos de pesquisadores que reivindicavam ter criado átomos dos elementos 110 a 112 (além dos 101 a 109), mas o mesmo grupo de trabalho da IUPAC/IUPAP que estabeleceu os critérios para descoberta de um novo elemento considerou que os dados apresentados não preenchiam estes critérios. Na ocasião, só foram reconhecidas as descobertas dos elementos 101 a 109, cujos nomes definitivos foram posteriormente confirmados pela IUPAC3-5: mendelévio (Md), nobélio (No), lawrêncio (Lr), rutherfórdio (Rf), dúbnio (Db), seabórgio (Sg), bóhrio (Bh), hássio (Hs) e meitnério (Mt), respectivamente.
A descoberta dos elementos 107 a 109 também foi atribuída a trabalhos do GSI, que tem sintetizado estes elementos pesados por uma técnica conhecida como fusão fria. Ela consiste no uso de um acelerador para lançar feixes de íons de alta energia contra alvos, na tentativa de que ocorra fusão nuclear. Os elementos de que são feitos os íons e o alvo são escolhidos para que a sua eventual fusão resulte no novo elemento almejado. Apesar da baixíssima probabilidade, alguns poucos casos de fusão ocorrem; a reação de formação destes novos átomos é conhecida como reação de fusão-evaporação.
Em 1981, pesquisadores do GSI relataram os primeiros dados sobre a criação de átomos de bóhrio-262, bombardeando um alvo de bismuto-209 com íons de alta energia de crômio-54. Em 1984, foram relatados dados sobre a criação de átomos de hássio e de meitnério. Átomos de hássio-265 foram criados pelo bombardeio de um alvo de chumbo-208 com íons de ferro-58 (na realidade, foi reconhecido também que átomos de hássio-264 foram muito provavelmente produzidos por um grupo de Dubna, na Rússia, em 1984. De qualquer modo, o crédito principal pela descoberta deste elemento foi atribuído ao GSI). Finalmente, átomos de meitnério-266 foram criados por meio do bombardeio de um alvo de bismuto-209 com íons de ferro-58.
Cabe destacar que justo na época em que a escolha dos nomes definitivos para os elementos 101 a 109 estava sendo decidida, pesquisadores do GSI anunciaram novos dados sobre a descoberta dos elementos 110 a 112 ( para detalhes, vide a referência 6).
Em função destes e outros dados de supostas descobertas destes elementos, em 1997 novo grupo de trabalho foi nomeado pela IUPAC/IUPAP para analisar se preenchiam os critérios para descoberta. Este grupo concluiu, em relatório publicado em 2001, que somente no caso do elemento 110 os dados preenchiam os critérios, tendo a descoberta sido atribuída ao grupo do GSI7. Este elemento recebeu o nome de darmstádtio (Ds), em homenagem à cidade sede do GSI. Átomos de darmstádtio-269 foram criados pelo bombardeio de um alvo de chumbo-208 com íons de níquel-62.
Posteriormente, o mesmo grupo de trabalho que reconheceu a descoberta do darmstádtio foi convidado a reexaminar as reivindicações existentes de descoberta dos elementos 111 e 112, bem como novas reivindicações de descoberta dos elementos 114, 116 e 118. Em novo relatório publicado em 2003, somente foi reconhecida a descoberta do elemento 111, também por grupo do GSI, que lhe conferiu o nome roentgênio (Rg). Quanto aos outros elementos, considerou-se necessários resultados adicionais8. Átomos de roentgênio-272 foram criados a partir do bombardeio de um alvo de bismuto-209 com íons de níquel-64.
Em 2005, a IUPAC conjuntamente com a IUPAP, considerando novos trabalhos publicados sobre a descoberta do elemento 112, resolveu que as reivindicações de descoberta deveriam ser examinadas por um novo grupo de trabalho. Este grupo solicitou, em agosto de 2005, dados aos diferentes laboratórios que reivindicavam a descoberta deste elemento, para entrega em janeiro de 2006. Entretanto, em função da divulgação de novos resultados pelos diferentes laboratórios, este prazo foi prorrogado para final de junho de 2007. O resultado da análise desses dados é que foi divulgado recentemente1, atribuindo a descoberta do unúnbio ao grupo do GSI. Neste caso, átomos de unúnbio-277 foram produzidos pelo bombardeio de um alvo de chumbo-208 com íons de zinco-70. Resta agora aguardar que o nome copernício seja aprovado, o que deve demorar meses.
O grupo de trabalho IUPAC/IUPAP continua trabalhando na análise de reivindicações de descoberta de outros elementos de maiores números atômicos, inclusive ímpares, que deverá ser objeto de um novo relatório em breve.
Finalmente, cabe destacar que o reconhecimento da descoberta do elemento 112 pelo grupo liderado por Hofmann é o desfecho de uma longa caminhada que envolveu, além de renhida competição entre pesquisadores (principalmente de Darmstadt e de Dubna), esperanças frustradas, trabalho cuidadoso de investigação e, inclusive, uma roçadela com comportamento científico inapropriado (um pesquisador andou “inventando” dados). Para mais detalhes sobre isso, veja a referência 9.
Romeu C. Rocha-Filho é professor associado no
Departamento de Química (DQ) da Univ. Federal de São Carlos (UFSCar), do qual é docente desde dezembro de 1976. Mestre em Físico-Química e Doutor em Ciências (área de Físico-Química), é um dos responsáveis pelo Laboratório de Pesquisas em Eletroquímica do DQ-UFSCar (www.ufscar.br/lape). Contatos podem ser feitos pelo e-mail romeu@ufscar.br.