Vem de longa data a celeuma da discriminação perpetrada pela então Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS), posteriormente assumida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e demais órgãos sanitários estaduais e municipais pertencentes ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária que passaram a negar atos administrativos (autorizações de funcionamento, registros de produtos, licenças e outros mais) a empresas que mantinham Técnicos Químicos como responsáveis técnicos devidamente habilitados pelos seus CRQ’s. Foi exigido delas que os substituíssem por profissionais de nível superior.
O problema começou em 1998. A recusa recaia sobre as empresas dos setores elencados na Lei nº 6.360/1976 e no Decreto nº 79.094/1977. Alcançava tanto as que já tinham profissionais de nível médio como as que apresentavam novos para a função de responsáveis técnicos. Diante do problema, o CRQ-IV juntamente com o Conselho Federal de Química (CFQ), outros CRQ’s e alguns técnicos lesados pela medida ingressaram com ação judicial para resguardar a legalidade das concessões de responsabilidades técnicas conferidas pelo Sistema CFQ/CRQ’s aos profissionais de nível médio.
Fundamentação jurídica - A ação se fundamentou na ilegalidade da exigência, uma vez que inexiste lei no ordenamento jurídico que a sustente. Por outro lado, a legislação vigente concede aos Conselhos Profissionais o direito e o dever de habilitar os profissionais que congregam, inclusive o de conceder-lhes a Responsabilidade Técnica. No caso dos CRQ’s, o art. 20, parágrafo 2º, alínea “c” da Lei nº 2.800/1956 dispõe que os Técnicos Químicos possuem a atribuição para assumir a Responsabilidade Técnica em virtude de necessidades locais e por empresa de pequeno porte, “a critério do Conselho Regional de Química da jurisdição”.
Portanto, a exigência de substituição cassava o direito dos CRQ’s, como também feria o livre exercício profissional, direito assegurado pelo art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal.
Mesmo possuindo mais de 30 anos de formação e com vasta experiência nas áreas em que atuavam, alguns profissionais que fizeram parte da ação tiveram suas responsabilidades técnicas sumariamente cassadas pela SVS. Um deles, inclusive, diante de sua reputação profissional reconhecida, era membro de um órgão internacional em preservação de madeiras sediado na Suécia.
A Anvisa argumentava que o profissional de nível médio “não deveria” responder tecnicamente pela empresa, pois havia probabilidades de ocorrerem riscos diversos e que os estabelecimentos produtores de cosméticos e saneantes deveriam cumprir o manual de Boas Práticas de Fabricação e Controle (BPFC). Porém, não trouxe aos autos nenhuma prova concreta de que isso tivesse ocorrido. Apesar de a preocupação ser louvável, o fato é que os riscos citados pela Anvisa existem até mesmo em empresas onde os responsáveis técnicos são profissionais de nível superior. Infelizmente, a realidade é que existem bons e maus profissionais e todos são obrigados a cumprir rigorosamente as BPFC. O que não é admissível é a autoridade sanitária, indiscriminadamente, fazer exigências não previstas em lei, passando a legislar, ferindo direitos, tais como, no presente caso, dos CRQ’s concederem Responsabilidade Técnica e, dos profissionais da química de nível médio exercerem livremente suas profissões.
Da atuação do Conselho - Convém salientar que o CRQ-IV é muito atento e criterioso na concessão de Responsabilidade Técnica. Não a concede indistintamente como um mero ato burocrático, mas visa também à saúde pública e a assistência técnica efetiva e qualitativa a empresa. Seu Plenário avalia rigorosa e individualmente cada caso: além do porte da empresa (número de empregados, área ocupada, potência instalada e volume de produção/prestação de serviços), analisa o tipo de produto fabricado, o serviço prestado, a complexidade do processo, o grau de risco envolvido, as características dos efluentes, das emissões gasosas, dos resíduos sólidos etc. Portanto, não se limita apenas a verificar se o profissional é graduado em curso superior ou técnico, mas faz uma análise abrangente antes da concessão da Responsabilidade Técnica.
Das decisões favoráveis - Em 15/05/2009, o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região julgou o mérito da ação. Ratificou todas as decisões anteriores, estabelecendo que a “Lei nº 2.800/56 garantiu aos profissionais de nível médio, desde que habilitados em curso técnico, o exercício da atividade de responsabilidade técnica em empresa qualificada como de pequena capacidade”. Não pode, portanto, a autoridade sanitária interferir na Responsabilidade Técnica deferida e formalizada pelos CRQ’s, já que ela não possui esta atribuição legal.
Clique aqui para obter íntegra do acórdão. As decisões anteriores do mesmo processo podem ser obtidas a partir dos links abaixo:
Reflexos em outras áreas - O direito esposado nestas decisões judiciais abrange também o setor de prestação de serviços, sobretudo o de empresas especializadas na prestação de serviço de controle de vetores e pragas urbanas, pois o embasamento legal para os Técnicos Químicos serem responsáveis técnicos por este tipo de empresa é o mesmo.
Inclusive, o CRQ-IV já obteve vitórias judiciais contra a CVS-SP, que ao regulamentar este segmento, exigiu em Portaria que a função fosse ocupada por profissional de nível superior. Ainda, na ação da Anvisa, quando editou a Resolução RDC nº 18 de 29/02/2000, que dispôs sobre normas de funcionamento destas empresas, o CFQ e o CRQ-IV informaram o juízo a respeito, já que estava vigente uma liminar que proibia esta discriminação, e a resolução fazia a exigência de RT com títulos profissionais apenas de nível superior. Ao apreciar a questão, o magistrado despachou no sentido que esta resolução contrariava frontalmente a liminar concedida, devendo a Anvisa, em 48 horas, cumprir integralmente a decisão judicial que proibia a discriminação. Vide despacho e histórico da ação contra a CVS-SP no site do Conselho.
A autora é gerente do Departamento Jurídico do CRQ-IV.
Mais informações sobre esta e outras decisões podem ser
obtidas página sobre jurisprudência deste site
ou pelo e-mail juridico@crq4.org.br.