Os porquês do tratamento profissional
Autor(a): Nilson Maierá
Este artigo aborda a questão da necessidade do tratamento das águas de piscinas públicas e de uso coletivo (como as de clubes privados, academias, hotéis etc) por profissionais da química habilitados. Por sua importância, o assunto foi disciplinado há anos pelo governo federal por meio do Decreto 85. 877/1981 (inciso III do artigo 2º), o qual a maioria dos governantes ignora. Ano passado, a Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto que pretendia corrigir uma postura equivocada do Estado em relação ao assunto, mas a iniciativa foi vetada pelo governador José Serra. A assembléia ainda não analisou o veto e não tem data para fazê-lo. Nosso objetivo com esse artigo é tentar convencer os mais incrédulos que essa exigência é necessária porque trata de uma questão envolvendo a saúde pública.
Da mesma maneira que uma operação cirúrgica deve ser feita por um médico especializado, um projeto estrutural por um engenheiro de estruturas e assim por diante, o controle da água de uma piscina pública ou coletiva restrita deve ser feita por um Profissional da Química. A alegação de que a manutenção e o tratamento das águas desses locais pode ser feita por pessoa sem qualificação técnica – uma vez que os produtos utilizados são comercializados prontos e com instruções quanto a forma de manuseio – não se sustenta pelas razões expostas abaixo.
Para ler as instruções contidas nas embalagens dos produtos o leigo em química não pode, obviamente, ser analfabeto. Infelizmente, muitos que trabalham como tratadores de piscinas encaixam-se nessa condição. O usuário dos produtos também não pode ser semianalfabeto, pois não basta conseguir ler as instruções. É preciso compreendê-las. Há, ainda, os leigos que sabem ler, mas não o fazem: é raro encontrar pessoas sem perfil técnico que se interessam por manuais. Por fim, há os leigos capazes de ler, entender e que até costumam dar atenção aos rótulos das embalagens e aos manuais. Mas estes, em geral, não trabalham como tratadores de piscinas.
As dificuldades não param na questão cultural. Os anos de experiência na área nos permitem afirmar que as instruções das embalagens ou manuais dos produtos para piscinas são, em sua maioria, precárias, preocupando-se mais com as partes legais, garantias, primeiros socorros etc, relegando a parte técnica a um plano inferior.
Os leigos geralmente não sabem, mas além de cloro e algicidas, uma série de outros produtos químicos precisam ser utilizados para garantir a qualidade e a segurança da água de uma piscina. Para não ser cansativo, vou enumerar apenas alguns: acido cianúrico, auxiliares de filtração, corretores de dureza, de pH, de alcalinidade e os oxidantes.
Aqueles que rechaçam a obrigatoriedade de que tenhamos profissionais da química supervisionando tecnicamente as piscinas também argumentam que as embalagens dos produtos trazem as quantidades exatas a serem usadas. Esquecem (ou não sabem) que cada piscina exige dosagens e tratamentos diferentes mesmo quando possuem as mesmas dimensões.
Cada vez mais usado na desinfecção, o ozônio é produzido diretamente na piscina ou na tubulação de retorno. Não há como colocá-lo numa embalagem e nesta imprimir as instruções de uso. E os manuais dos geradores desse gás, quando bem feitos, são incompreensíveis aos leigos. Instável e reativo, o ozônio tem um grau elevado de toxicidade quando em contato com o ar. O potencial de perigo aumenta quando consideramos que sua presença no ambiente é quase imperceptível. Não se trata de algo cujo uso possa ser controlado por qualquer um.
Também não possui embalagens (e instruções de uso) o cloro líquido produzido, a partir do sal, por geradores. Mesma condição encontramos nos gera- dores de radiação ultravioleta.
Currículo - Em 1990, a Associação Brasileira de Normas Técnicas publicou a NBR 11.238, criando a figura do “operador de piscina”. Segundo o texto, ainda em vigor, considera-se operador a pessoa treinada em curso que contemple um currículo que, entre outras, inclua as seguintes disciplinas: noções de hidrologia e microbiologia, aspectos epidemiológicos, características físicas, químicas e biológicas da água, produtos químicos, legislação e normas técnicas. Entre as responsabilidades imputadas pela NBR ao operador podemos destacar a necessidade de fazer anotações diárias de dados como temperatura do ar e da água, limpidez da água, pH e teor residual do desinfetante. Caberia, ainda, ao operador controlar a realização de análises microbiológicas.
Muito bem, mas há um problema: não existem cursos para tratadores (ou operadores) de piscinas com a abrangência exigida pela NBR 11.238. Os cursos existentes são realizados pelas próprias empresas e, em sua maioria, destinam-se a ensinar os tratadores a usarem os produtos por elas fabricados.
A colocação de cloro numa piscina pode gerar reações que levam ao surgimento de vários compostos danosos à saúde, como as cloraminas, que irritam a pele e os olhos, e os trihalometanos, sobre os quais pesam suspeitas de ser cancerígeno. Estaria alguém sem formação em química apto a evitar ou a combater a presença desses compostos?
Numa piscina e em seus anexos estamos lidando com a saúde das pessoas, quer quanto a doenças provenientes de micro-organismos patogênicos e até de produtos químicos usados incorretamente, quer quanto à segurança estrutural da área.
Atividades - As responsabilidades de um Profissional da Química vão muito além da cloração da água. Inicialmente, ele deverá analisar todo o complexo e definir os parâmetros de sua utilização. A seguir, instruirá os tratadores e passará a supervisionar o trabalho de seus auxiliares. A partir de então, sua presença constante será necessária apenas para correção de anomalias específicas ou para acompanhar manutenções dos equipamentos. Isso significa que o investimento decorrente da contratação do profissional cairá sensivelmente.
Abaixo vamos indicar algumas atividades que demonstram a inequívoca necessidade de um químico pelas entidades que mantém piscinas:
Dominar as normas legais e técnicas;
Orientar os tratadores quanto à segurança, transporte, armazenagem e manuseio dos produtos químicos;
Determinar os equipamentos de proteção que eles deverão usar em função do tipo de produto químico manuseado. Isso evitará acidentes e possíveis ações trabalhistas;
Determinar a frequência máxima de usuários na piscina em função da sua característica;
Determinar o número de horas que a água deve ser totalmente recirculada em função do tipo e da profundidade da piscina;
Escolher o tipo de desinfetante mais apropriado;
Definir a quantidade exata de cloro – cuja aplicação é obrigatória por lei – de modo a evitar desperdícios e saber como evitar/eliminar as cloraminas e outros compostos;
Determinar quais e com que frequência as análises físico-químicas e microbiológicas devem ser feitas;
Preparar planilhas onde serão anotados os produtos químicos utilizados e sua frequência;
Preparar manual sobre quantidades de produtos químicos a serem aplicadas com base no volume da piscina, a grandeza físico-química a ser corrigida e seu desvio em relação aos padrões;
Determinar os aparelhos, métodos e precisão para medir as grandezas físico-químicas;
No caso das piscinas cobertas, determinar normas para controle do ar interno, principalmente quanto à umidade, cloraminas, gás carbônico, trihalometanos e ozônio, se for o caso.
A análise dessas atividades permite inferir que o custo que a empresa terá com a contratação de um profissional para supervisionar suas piscinas será rapidamente compensado com a progressiva redução de despesas provenientes do uso de produtos não apropriados, desnecessários, da possível redução de mão de obra operacional, dos riscos de ações trabalhistas e até mesmo indenizatórias por parte de usuários que venham a ser prejudicados pela qualidade inadequada das piscinas.
Engenheiro Químico formado pela Escola Politécnica da USP e pós-graduado em Administração de Empresas pela FGV, Nilson Maierá é autor do livro Piscinas Litro a Litro. Contatos com o autor podem ser feitos pelo e-mail nmaiera@terra.com.br.