GHS - O uso seguro de produtos químicos
Autor(a): Geraldo Fontoura
No dia 26 de setembro de 2009, entrou em vigor a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que trata de aspectos importantes da implementação do Globally Harmonized System (GHS) no Brasil. Definida pela sigla NBR 14725 e dividida em quatro partes, ela está disponível [conforme noticiado na edição de dezembro deste Informativo, disponível somente na versão impressa] para consulta e impressão gratuitamente no site da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). A norma é um marco importante para a classificação e rotulagem de produtos químicos perigosos e irá ocasionar, certamente, diversos esforços nos próximos meses do setor industrial brasileiro e, em particular, do setor químico.
O GHS é considerado uma abordagem lógica e abrangente para a definição dos perigos dos produtos químicos, bem como sua classificação e comunicação de perigo por meio da Fispq (Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico) e da rotulagem. Ele é aplicável à maioria dos produtos químicos perigosos e tem, dentre seus objetivos, garantir a proteção da saúde humana e do meio ambiente, estabelecer um sistema internacional para comunicação de perigos, prover um modelo reconhecido para países sem sistema (que era o caso do Brasil), reduzir a necessidade de testes com animais e facilitar o comércio internacional.
A elaboração do GHS teve como foco quatro públicos-alvo distintos, com suas necessidades específicas: o consumidor final, o trabalhador em geral, o trabalhador envolvido no transporte e os profissionais que atendem a emergências com produtos químicos.
Criado pelas Nações Unidas, o sistema baseou-se nos seguintes pilares: as recomendações da ONU para o transporte de produtos perigosos e os requisitos então estabelecidos na União Européia, Estados Unidos e Canadá.
Com o GHS pretende-se corrigir o fato observado hoje de existirem países sem critérios especificados para classificação de perigos e a possibilidade de um mesmo produto químico ser classificado de modo diferente de um país para outro.
O desafio de implementar um sistema como este é grandioso, pois pretende-se manter os padrões de segurança já em vigor em diversos países, homogeneizar os conceitos e garantir a sua compreensão por todos.
O resultado prático da implementação do GHS é o uso seguro de produtos químicos. Para tanto, o sistema prevê a classificação dos perigos com base em critérios pré-estabelecidos e aceitos internacionalmente e um sistema de comunicação de risco baseado no rótulo e na Fispq. Estes elementos possibilitam às empresas e organizações a implementação de um sistema de gerenciamento de risco. Com isso, conhecendo-se os perigos inerentes aos produtos químicos manuseados, torna-se possível estabelecer condições para seu uso seguro, reduzindo-se o risco de acidentes que afetem a saúde das pessoas, a segurança e o meio ambiente.
Podemos considerar que a demanda pelo GHS surgiu durante a RIO 92 [Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro] no capítulo 19 da Agenda 21 que previa a harmonização da classificação e da rotulagem de produtos químicos. Além disso, a Convenção 170 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 1988 pelo Decreto 2657, já previa a existência de um critério de classificação de perigo, bem como um padrão de rotulagem e de ficha de dados de segurança (que era o termo usado para a Fispq na época).
Assim, podemos considerar que o GHS, neste primeiro momento, será aplicável a todos os produtos químicos de setores ainda não regulamentados por lei, no tocante à classificação e rotulagem. Espera-se, porém, que os setores que já possuem leis específicas para classificação e rotulagem, como os defensivos agrícolas, no futuro também mi- grem para os critérios do GHS.
Além das normas da ABNT recém-publicadas, existe uma iniciativa estatal no sentido de implementar o GHS no Brasil a partir da formação do Grupo de Trabalho Interministerial denominado GT-GHS-Brasil. Este GT tem a importante função de mobilizar o Governo Federal no sentido de declarar formalmente a adoção do GHS pelo Brasil e também os diversos ministérios para introduzirem os princípios e as bases do sistema internacional no escopo de trabalho regulador e fiscalizador.
Feito isto, diversos pontos listados no Livro Púrpura (manual oficial da ONU para o GHS, disponível no site www.unece.org/trans/danger/publi/ghs/ghs_rev03/03files_e.html) e previstos nas normas da ABNT poderão passar a ser exigidos de forma mais contundente e explícita pelas autoridades reguladoras de cada tipo de produto.
As empresas têm importante papel neste processo uma vez que serão as principais geradoras de informações para o sistema. Portanto, é preciso que elas se mobilizem no sentido de realizar algumas tarefas fundamentais.
Todos os fabricantes de produtos químicos de setores ainda não regulamentados, ou seja, a maioria deles, precisam conhecer a norma de sistema de classificação de perigo (NBR 14725-2) para que possam iniciar o processo de classificação de seus produtos, sejam eles substâncias puras ou misturas. A norma define critérios que podem ser utilizados para que não seja necessária a realização de testes, partindo-se da classificação disponíveis dos ingredientes da mistura e de princípios de analogia. Esta é a etapa fundamental do trabalho, pois será a partir da classificação, ou seja, da definição dos perigos associados aos produtos, que serão estabelecidas as condições de comunicação de risco que se dá pelo rótulo e pela Fispq.
Em seguida é necessário fazer a revisão da Fispq para que sejam alterados os campos impactados pela nova classificação do produto. A norma atual da Fispq (NBR 14725-4) foi adaptada para as exigências do GHS e, com isso, existem modificações também em relação à forma do documento, como a alteração na ordem dos campos “Identi- ficação de Perigos” e “Composição e informação sobre os ingredientes”, estabelecidas pelo grupo da ONU. É importante ressaltar que esta norma não exige a revisão imediata de todas as Fispqs apenas por motivos relativos à forma, uma vez que as fichas elaboradas de acordo com a norma anterior, que baseava-se exclusivamente na ISO 11.014, continuam válidas desde que não haja alteração no seu conteúdo.
Por fim, deve-se elaborar o rótulo do produto, seguindo-se os critérios estabelecidos pela NBR 14725-3 sobre rotulagem. Nesta norma estão apresentados os pictogramas utilizados pelo GHS, bem como as palavras de advertência (“cuidado” e “atenção”) e as frases de perigo e de precaução. A partir da classificação do produto é possível identificar diretamente os pictogramas, as palavras de advertência e as frases de perigo a serem utilizadas que estão associadas em tabelas específicas. As frases de precaução, entretanto, são de texto livre e compreendem informações sobre: perigo físico, modos de evitar potencial uso indevido do produto e ex-posição à saúde, medidas nos casos de acidentes com o produto e quanto à proteção ambiental, e cuidados apropriados na destinação.
É importante também ressaltar que o GHS é plenamente compatível com a regulamentação da ONU para o transporte de produtos perigosos, de tal forma que este não será impactado pelo novo sistema, pelo menos neste primeiro momento.
A Abiquim [e entidades como o CRQ-IV] tem promovido treinamento sobre o GHS e é importante que as empresas capacitem os seus funcionários para este trabalho. O conhecimento profundo da composição dos produtos e dos padrões estabelecidos pela ABNT são fundamentais para que o uso seguro do produto possa ser promovido.
Em breve, irá estabelecer-se um efeito cascata em que os fabricantes solicitarão aos fornecedores informações sobre a classificação de suas matérias-primas, de tal forma que será criada uma cadeia de informação sobre os perigos dos produtos.
Sem dúvida, a publicação da NBR 14725 coroou o trabalho do Comitê de Química (CB-10) da ABNT e do setor como um todo, uma vez que há vários anos especialistas de diversas áreas vinham se reunindo mensalmente para debater o GHS e delinear os contornos de sua execução. Mas este marco é apenas o início de um trabalho que necessita da participação de todos.
A comissão de estudos também preparou um projeto de norma para rotulagem e elaboração da ficha de dados de segurança de resíduos que visam a atender aos requisitos da Convenção OIT 170, que exige tratamento idêntico a ser dispensado a produtos e seus resíduos. Trata-se de mais um desafio e é importante que todos enviem comentários durante a consulta nacional para o aprimoramento do projeto de norma [até o fechamento desta edição o início da consulta nacional não havia sido definido].
Além disso, o grupo está iniciando o trabalho de atualização da NBR 14725, buscando adequá-la à terceira edição do Livro Púrpura, publicado recentemente pela ONU. Não são esperadas mudanças radicais em relação à norma atual, mas é muito importante que acompanhemos o que está sendo estabelecido no âmbito mundial para que o Brasil permaneça na vanguarda desse movimento.
Concluindo, é fundamental ressaltar que o objetivo final deste processo só será alcançado com o envolvimento de todos os elos da cadeia de usuários. A mobilização imediata de todos é urgente para que as etapas apresentadas neste texto possam ser realizadas com tranquilidade e correção. Há muito a ser feito e o tempo passa depressa.
Geraldo André T. Fontoura é Químico Industrial, além de possuir licenciatura e bacharelado em Química. Professor universitário em cursos de pós-graduação e trabalhando há mais de 20 anos na área ambiental da Bayer, no Rio de Janeiro, ele é Coordenador da Comissão de Estudos de Informações sobre Segurança, Saúde e Meio Ambiente relacionadas a produtos químicos da ABNT. Contatos podem ser feitos pelo e-mail geraldo.fontoura@bayer.com.br