Primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel inspirou a comemoração
Descobertas de Marie Curie ajudaram a reduzir o sofrimento de enfermos
A história da cientista polonesa nascida há 143 anos desafia os padrões sociais e científicos do final do século XIX e início do século XX. Tímida, obstinada e inteiramente voltada à ciência e ao humanismo, Marie Curie dedicou seu trabalho e suas descobertas para salvar vidas e reduzir o sofrimento humano. Precursora de sua época, foi a primeira mulher a dar aulas na Universidade de Paris - Sorbonne (França), a primeira a ganhar um Prêmio Nobel, em 1903, e a única mulher até hoje a conquistar dois prêmios Nobel. Conhecida simplesmente como Madame Curie, ela descobriu o elemento químico Rádio, ampliando as possibilidades para o aprofundamento das pesquisas sobre a matéria, a energia e a radioatividade. Seu trabalho permitiu que, mais uma vez, a química pudesse ser aplicada na área médica, sobretudo nos tratamentos de cânceres.
Maria Sklodowska nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 7 de novembro de 1867, quando o país vivia sob domínio do Império Russo. Seus pais eram professores e a família levava uma vida humilde. Em 1883, terminou o ensino médio com excelentes notas. Decidida a continuar seus estudos científicos em Paris, teve de trabalhar como tutora de crianças para juntar dinheiro e viabilizar a viagem. Queria estudar matemática e física na Sorbonne e planejava voltar à Polônia depois de obter o diploma de licenciatura nestas áreas.
Em 1891, com 24 anos de idade, ela chegou à capital francesa para estudar. Mudou o nome para Marie, e concluiu a Licenciatura em Física e Ciências Matemáticas na Sorbonne. Seus planos de voltar para a Polônia mudaram quando um amigo a apresentou a Pierre Curie, cientista e professor da escola municipal de Física e Química Industrial. Um ano depois, em 1895, eles se casaram. Tiveram duas filhas, Irène, nascida em 1897, e Eve, em 1904. Marie e Pierre trabalhavam juntos em seu laboratório desenvolvendo pesquisas que mais tarde lhes dariam o Prêmio Nobel de Física.
Marie sucedeu o marido como Chefe do Laboratório de Física da Sorbonne e obteve o Doutorado em Ciência, em 1903. Suas pesquisas iniciais, junto com o marido, muitas vezes eram feitas com grande dificuldade. As condições do laboratório eram precárias (o local era muito frio no inverno, quente no verão e não havia equipamentos básicos) e ambos tinham que trabalhar arduamente como professores para garantir a subsistência. A descoberta da radioatividade por Henri Becquerel, em 1896, inspirou os Curie em suas pesquisas.
Em 1898, o casal descobriu dois novos elementos radioativos: o rádio, cujo nome deriva da palavra latina “raio”, e o polônio, que ganhou este nome em homenagem à terra natal de Marie. Madame Curie desenvolveu métodos para separar o rádio dos resíduos radioativos em quantidades suficientes para permitir sua caracterização e o estudo minucioso de suas características, em particular as propriedades terapêuticas.
O Prêmio Nobel de Física de 1903 foi dividido entre o casal Curie e Henri Becquerel, que descobriu a radioatividade espontânea. Marie e Pierre Curie ficaram com metade do prêmio por sua pesquisa sobre o fenômeno da radiação descoberto por Becquerel. Marie Curie estudou a radiação de todos os elementos radioativos conhecidos, incluindo urânio e tório, o qual ela descobriu mais tarde que também é radioativo. Em 1911 ela foi premiada com o Nobel novamente, desta vez com o de Química, por suas descobertas e estudos dos elementos rádio e polônio. Depois de conquistar o segundo Nobel, ela passou a trabalhar para construir o Instituto do Rádio, em Paris, onde pesquisaria as aplicações da radioterapia na medicina.
A radioterapia é utilizada para o tratamento de câncer. Depois da morte de Pierre, em 1906, em um acidente – ele escorregou, caiu e acabou atropelado por uma carruagem –, ela foi convidada a assumir o posto que o marido ocupava na Sorbonne, tornando-se professora de física. Foi a primeira mulher a conquistar esta posição. Durante a Primeira Guerra Mundial, Marie Curie montou unidades móveis de radiologia e treinou grupos de voluntários para operá-las. “Estas unidades foram especialmente úteis em 1914 durante a Batalha de Marne”, contou, em suas memórias, já que radiografavam soldados feridos para localizar ossos quebrados, balas e estilhaços. Ela também criou uma unidade móvel de radiografia, que percorria os hospitais de Paris que não dispunham desse equipamento.
Já conhecida internacionalmente por suas pesquisas, em 1920 ela viajou equipamentos para dar continuidade ao seu trabalho. Madame Curie conquistou um alto grau de respeito e admiração junto à comunidade científica de todo o mundo, mas manteve durante toda a vida uma postura avessa à publicidade, às honrarias e à vida social. Seus estudos mais conhecidos são Recherches sur les substances radioactives (Investigações sobre substâncias radiativas), de 1904; L’Isotopie et les éléments isotopes (Isotopia e elementos isotópicos) e o clássico Traité de radioactivité (Tratado sobre radiatividade), de 1910.
Ela integrou o primeiro Conselho Solvay (Conseil Solvay), em 1911. Criado por Ernest Solvay, fundador da multinacional química Solvay, o objetivo do conselho, que existe até hoje, é reunir os mais importantes químicos e físicos para discutir temas de suas especialidades. Curie também integrou o Comitê de Cooperação Intelectual da Liga das Nações, entidade que antecedeu a organização das Nações Unidas.
A importância do trabalho de Marie Curie pode ser medida pelos diversos prêmios que ela recebeu nas áreas de ciência, medicina e direito, e vários outros nas áreas de ensino, concedidos por sociedades científicas de todo o mundo. Além dos dois prêmios Nobel, Madame Curie recebeu, em 1903, junto com o marido, a Medalha Davy, concedida pela Royal Society, de Londres (Inglaterra), associação científica fundada em 1660. Em homenagem aos Curie, a radioterapia era chamada na França de “Curieterapie”.
Madame Curie morreu na cidade francesa de Savoy em 4 de julho de 1934 de anemia aplástica, provavelmente causada pela radioatividade. Suas cinzas estão depositadas, ao lado do marido, no Panteão, em Paris, onde também se encontram os restos mortais de célebres personagens da história francesa.
A devoção à ciência e ao humanismo foram legados aos seus descendentes. A filha mais velha do casal, Irène Joliot-Curie, ganhou o Prêmio Nobel de Química, em 1935, junto com o marido, Frédéric Joliot, pela síntese de novos elementos radioativos. A filha caçula, Eve, casou com o diplomata norte-americano H. R. Labouisse. Ambos tinham grande interesse por problemas sociais. Sua atuação como diretor do Fundo para a Infância das Nações Unidas (Unicef) lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz de 1965. Eve é autora de uma famosa biografia da mãe, intitulada Madame Curie, publicada pela primeira vez em 1938 e traduzida para vários idiomas.