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Jan/Fev 2011 

 


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Uso agrícola do lodo de esgoto e o papel dos profissionais da química
Autor(a): Aline Renée Coscione Gomes e Carla Gomes


O uso agrícola do lodo de esgoto é assunto que interessa ao Brasil e a brasileiros. Essa destinação para esse resíduo, em geral depositado nos aterros sanitários, reduz custos ambientais e financeiros, ambos pagos pela população em geral.
 
Os esgotos domésticos vêm, principalmente, de edifícios residenciais e comerciais que contenham banheiros, lavanderias, cozinhas ou outra área com utilização da água para fins domésticos. O tratamento do esgoto consiste basicamente em transformar seus componentes em substâncias simples, como sais minerais e gás carbônico, por meio de reações enzimáticas promovidas por microrganismos, que se desenvolvem e proliferam rapidamente, frente à grande quantidade de substâncias orgânicas existentes no esgoto que lhe serve de alimento. Essas e outras reações de oxidação ocorrem naturalmente em rios, lagos e mar, quando neles os esgotos são lançados in natura. É possível acelerar e controlar essas reações por meio de tanques e de outros recipientes, dimensionados para essa finalidade. Esse conjunto é denominado estação de tratamento de esgoto (ETE). Sua finalidade é garantir que o esgoto bruto, após a remoção da carga orgânica e outros contaminantes físicos, químicos e biológicos, tenha qualidade adequada para descarte nos corpos hídricos.
 
Como a reprodução das bactérias ocorre em progressão geométrica, o volume de novos microrganismos (lodo) produzidos nas ETEs é elevado, necessitando que parte do lodo gerado seja retirada periodicamente do sistema para garantir equilíbrio entre o alimento (esgoto bruto) e a quantidade de microrganismos existente no sistema. De maneira bem simples, cada habitante gera cerca de 0,15 litros de lodo centrifugado, com 20% de sólidos por dia. Uma cidade com cerca de um milhão de habitantes, como Campinas, deverá gerar em torno de 150 toneladas/dia de lodo, quando estiver com 100% de seu esgoto tratado.
 
A disponibilidade do resíduo, portanto, depende da quantidade de esgoto tratado. Antes de escolher, porém, uma destinação final, é necessário reduzir o volume de água presente no material e estabilizar a matéria orgânica restante no esgoto, o que reduz odores e seu potencial de atração de vetores e a presença de microrganismos patogênicos.
 
O tratamento do esgoto pode parecer — a um primeiro olhar — a solução definitiva. Porém, dele resulta o lodo, que sacrifica aterros sanitários e mananciais. O custo de caráter ambiental e financeiro é elevado e quem paga é o contribuinte. Isso porque a disposição de lodo de esgoto em aterro alcança em torno de 50% do custo total de uma ETE.
 
A alternativa do uso agrícola do lodo, porém, beneficia a sociedade de forma geral — poupa o ambiente, reduz custo de produção na agricultura e aumenta a produtividade das lavouras. A reciclagem da matéria orgânica e dos nutrientes presentes nesse resíduo é o principal ganho para o meio ambiente, que pode se livrar  parcialmente também do uso de adubos químicos.
 
O lodo produzido nas ETEs é rico em carbono, nitrogênio e fósforo, já que se constitui principalmente do corpo das bactérias que decompõem o esgoto. Por outro lado, contém também elementos que podem servir como nutrientes para as plantas, como cobre e zinco, e outros que têm efeito tóxico e cumulativo no solo, como o chumbo. Podem ser encontradas ainda substâncias que não são metabolizadas pelas bactérias, a exemplo de medicamentos e produtos de limpeza, e patógenos, como os ovos de helmintos, que refletem as condições socioeconômicas da população atendida pela ETE.
 
A primeira participação dos químicos nessa atividade acontece na fase de caracterização dos esgotos domésticos, influenciando na geração do lodo. Os principais parâmetros a serem determinados são a quantidade de sólidos, as concentrações de matéria orgânica, nitrogênio e fósforo, além do pH e a quantidade de óleos e graxas.
 
A atuação dos químicos na caracterização do lodo de esgoto é essencial para definir a destinação adequada desse resíduo, confrontando-a com a legislação, seja NBR 10.004, que se aplica à caracterização ampla de resíduos sólidos, seja a CONAMA 375, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, regulamentadora do uso agrícola do lodo em nível nacional.

No Laboratório de Fertilizantes e Resíduos do Instituto Agronômico (IAC), em Campinas, realiza-se a análise de metais pesados em resíduos como vinhaça, lodo de esgoto, de curtume e resíduos de siderurgia aplicáveis à agricultura. Nas análises, são verificadas também a presença de nutrientes e a dosagem adequada para as plantas. O exame dos resíduos com potencial de uso agrícola ainda implica na preservação da qualidade do solo, mantendo-o produtivo, sem causar riscos ao ambiente e economizando recursos naturais.
 
Na agricultura, o lodo de esgoto se transforma em fonte de nutrientes, especialmente de nitrogênio e fósforo, para adubação de plantas, providos quase que exclusivamente por fertilizantes minerais. Estudos demonstram que o lodo é um excelente adubo orgânico e seu efeito no solo perdura mesmo após o encerramento da sua aplicação, melhorando também características físicas do solo, como a capacidade de infiltração de água e formação de agregados. Dependendo da cultura e da fertilidade do solo, o complemento de fósforo e nitrogênio por adubação mineral pode ser totalmente ou parcialmente dispensável. Apenas o potássio teria de ser adicionado via fertilizante mineral, já que não é um nutriente encontrado em grandes quantidades no lodo.
 
Especialistas entendem que, por ser uma atividade nova no País, o uso agrícola desse resíduo deve ser acompanhado de constante revisão de normas reguladoras e de estudos científicos que viabilizem a prática de forma sustentável para o ambiente e viável para as cadeias de produção e consumidores. É necessário considerar as concentrações máximas dos elementos tóxicos existentes no lodo e no solo que irá recebê-lo, além de monitorar o acúmulo de metais após sucessivas aplicações. Aspectos da fertilidade do solo devem ser periodicamente analisados, pois a distribuição dos nutrientes nesse resíduo é desbalanceada e pode refletir nas propriedades químicas do terreno. Embora a interpretação do balanço de nutrientes seja feita por engenheiros agrônomos, o desenvolvimento de métodos de análise de solo e sua análise de rotina são tradicionalmente realizados por químicos.
 
Mesmo com a economia e vantagem, apenas 3% do lodo gerado é destinado à agricultura no Brasil. Nos Estados Unidos esse total chega a 65%. Esse quadro se explica pelo fato de o tratamento do esgoto doméstico ser prática recente no Brasil, diferentemente de outros países. Para garantir o uso seguro desse resíduo, foi criada a Resolução nº 375 do CONAMA, em 2006, que estabelece as regras e as restrições para o uso agrícola do lodo.  Segundo esta norma, só é permitida a aplicação do lodo em culturas que não sejam de consumo direto, como da cana-de-açúcar e algodão, e naquelas cujas partes comestíveis não entrem em contato direto com o lodo, como o milho. Devido à origem do lodo, sempre haverá restrições ao seu uso na agricultura. O produtor não pode aplicá-lo em sua propriedade sem estar ciente das restrições e obrigações.
 
Na aplicação do resíduo, obedecendo à resolução CONAMA 375, os aspectos negativos são controlados. Para avaliá-la, foi realizado no IAC, em 2009, o Workshop: Uso agrícola do lodo de esgoto: avaliação após a Resolução nº 375 do CONAMA. No evento, foi discutido o que já havia sido feito e o que precisava melhorar na norma. Para registrar as palestras e discussões do Workshop, foi produzido o livro “Uso agrícola do lodo de esgoto: Avaliação após a resolução nº 375 do CONAMA”, lançado no dia 26 de outubro de 2010, durante o VII Simpósio Interamericano de Biossólidos. O livro traz opiniões técnicas sobre assuntos diversos relacionados ao uso agrícola do lodo de esgoto, de forma a subsidiar o avanço no tema e contribuir para a próxima revisão da norma, em 2013.

 
 

 

Bacharel em Química, Aline Renée C. Gomes é pesquisadora do Instituto
Agronômico de Campinas. Carla Gomes é jornalista e trabalha no mesmo instituto.
Contatos pelos e-mails aline@iac.sp.gov.br e midiaiac@iac.sp.gov.br.

 
 
 




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