Fosfoetanolamina - Testes com a "pílula do câncer" são suspensos pelo governo paulista
CRQ-IV
Hoff e Uip disseram que os resultados não recomendam a continuidade dos testes
A inclusão de novos pacientes na segunda fase da pesquisa clínica com a fosfoetanolamina sintética, conduzida pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), foi suspensa e os protocolos serão reavaliados. O anúncio foi feito no dia 31 de março pelo secretário estadual da Saúde, David Uip, e pelo oncologista Paulo Hoff, diretor geral do Icesp.
Os resultados obtidos até agora foram insatisfatórios: dos 72 pacientes (com diferentes tipos de câncer em estágio avançado) que se submeteram aos testes, 59 foram reavaliados e, destes, 58 não apresentaram uma resposta objetiva. Apenas um paciente do grupo de melanoma (câncer de pele) teve uma diminuição de 30% nas lesões tumorais, de acordo com Paulo Hoff. Ele ressaltou, porém, não haver ainda a comprovação de que essa melhora foi causada pela fosfoetanolamina. “Pode ter sido uma regressão espontânea ou um efeito placebo”, explicou. O diretor do Icesp complementou informando que, desse total de 72 voluntários, 20 (incluindo o que teve a regressão do melanoma) ainda passarão por novas avaliações, continuando em tratamento com a fosfoetanolamina.
Para o médico, com esses resultados não há justificativa ética para recomendar a fosfoetanolamina como tratamento para a doença. “Esperávamos uma taxa de resposta de pelo menos 20% dos pacientes, sendo considerada como resposta objetiva uma redução de 30% no tamanho das lesões tumorais, seguindo o padrão utilizado mundialmente”, disse o especialista. A expectativa era de que ao menos dois integrantes de cada grupo que participaram da pesquisa tivessem benefícios.
Segundo o secretário David Uip, “o objetivo [do estudo e da divulgação dos resultados] era dar uma resposta à sociedade. Uma eventual mudança no protocolo dos testes terá que ser discutida e submetida aos comitês local e nacional de ética em pesquisa”, afirmou. Os próximos passos serão discutidos entre Secretaria da Saúde, Icesp e representantes dos pesquisadores que sintetizaram a substância. Não há prazos.
O estudo do Icesp começou em julho de 2016, usando cápsulas de 500 mg de fosfoetanolamina. O composto foi sintetizado pelo laboratório PDT Pharma, de Cravinhos (SP), sob a supervisão de pesquisadores que desenvolveram a “fosfo” no Instituto de Química da USP de São Carlos na década de 1990, entre eles Gilberto Chierice (líder da equipe) e Salvador Claro Neto.
A primeira fase do estudo constatou que o composto não era tóxico. Na segunda, a fosfoetanolamina foi administrada a 72 portadores de dez tipos de câncer: cabeça e pescoço, pulmão, mama, cólon e reto (intestino), colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado. No primeiro mês, eles tomaram três cápsulas por dia; dali em diante, duas.
INSUFICIENTES – Após a divulgação dos resultados, a médica Regina Monteiro apresentou-se aos jornalistas que participaram da entrevista como uma auditora representante da equipe de Gilberto Chierice. Apesar de reconhecer a capacidade dos profissionais do Icesp, ela alegou que os estudos feitos até agora seriam “insuficientes” para atestar a eficácia da fosfoetanolamina. Contudo, Regina Monteiro não deu detalhes sobre como o assunto será tratado de agora em diante pelos pesquisadores. O Informativo CRQ-IV não conseguiu contato com nenhum representante do grupo de São Carlos.
Dissidente contesta estudo do Icesp
Facebook
Meneguelo e Almeida em frente à fabricante do suplemento
No dia seguinte à divulgação, pelo governo de São Paulo, dos testes que apontaram para a ineficácia da fosfoetanolamina, o bioquímico Marcos Vinícius de Almeida publicou uma nota em sua página no Facebook questionando os estudos do Icesp. Ele e o médico Renato Meneguelo fizeram parte do time que sintetizou a fosfoetanolamina na USP de São Carlos, mas deixaram o grupo em razão de divergências com Gilberto Chierice, então líder da equipe.
Almeida escreveu que “há mais de dois anos nós estamos dizendo (eu e Renato) que não participamos do acordo firmado pelo estado de São Paulo e o professor Gilberto, e também não participamos do delineamento clínico proposto”. Ele afirmou que ambos discordaram da metodologia adotada “por não variarem dosagens e tentarem analisar poucos casos de um único tipo de tumor, muito abaixo de um número significativo necessário para se obter um grau de certeza confiável ao fim das averiguações”. O pesquisador alegou que “muitas vezes foi utilizado um único paciente para um tipo de tumor”. Já o Icesp assegurou que os estudos envolveram vários portadores de diferentes tipos de câncer.
O bioquímico também salientou na nota que, por desconhecer a substância que vinha sendo produzida no PDT Pharma, solicitou juridicamente informações sobre o processo de síntese adotado, mas não obteve respostas. Por isso, justificou, “buscamos caminho próprio, seguindo o mesmo princípio daquilo que desenvolvemos nestes anos todos na USP”, referindo-se à decisão dele e de Meneguelo de produzirem a fosfoetanolamina nos Estados Unidos e comercializá-la não como um medicamento, como sempre defendeu Chierice, mas como um suplemento alimentar, conforme noticiou a última edição deste Informativo.
Internet
Site iniciou as vendas ao custo de US$ 150 o frasco com 90 cápsulas
“Alguns desavisados nos criticaram, sem nem ao menos conhecer como sempre foi realizado nossos processos na USP e achavam que o orientador [Chierice] era quem sintetizava a substância”, lamentou. Para ele, a metodologia adotada pelo Icesp deixou de considerar e isolar muitas variáveis, “por isso as conclusões anunciadas já eram esperadas”.
Almeida concluiu seu comunicado lançando um desafio: “Por outro lado, hoje com nosso suplemento apto pelo FDA [agência que regula a produção de alimentos e medicamentos nos EUA] damos uma chance a quem quer tirar a prova dos seus benefícios”.
O suplemento alimentar desenvolvido por ele e por Meneguelo, em parceria com o laboratório uruguaio Federico Diaz, e que está sendo produzido pela empresa Quality Medical Line, na Flórida, já começou a ser vendido por meio de importação direta. O custo: 150 dólares o frasco com 90 cápsulas, com a recomendação de que sejam tomadas três unidades por dia, conforme orientação contida no site da empresa. Na publicidade, não é mencionado que o produto destinasse ao tratamento do câncer. Por ser vendido como um suplemento, sua comercialização é livre no Brasil.
Em moeda nacional e se forem seguidas as orientações de uso, o preço praticado representará um custo mensal ao redor de R$ 475,00, ou R$ 5,27 por pílula. Quando a fosfoetanolamina ganhou espaço na mídia como uma esperança para a cura do câncer, o Químico Gilberto Chierice, seu criador, estimou que o custo de cada cápsula seria de apenas R$ 0,10, desde que o composto fosse produzido e distribuído pela rede pública de saúde.