Empresas não têm como instalar túneis, que são desnecessários
Segundo a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), 80% das empresas sediadas na capital e que serão obrigadas a instalar túneis de sanitização para que pessoas ingressem em suas dependências não têm estrutura física e tampouco caixa para fazer tal investimento. A afirmação foi feita pelo economista Marcel Solimeo, superintendente da entidade, durante live promovida pelo CRQ-IV nesta sexta-feira, dia 28/08. Para ele, a medida é totalmente desnecessária e pune as empresas que já cumprem os protocolos de segurança estabelecidos pelas autoridades públicas e estão tentando sobreviver durante a pandemia de Covid-19. O evento discutiu os impactos na capital do projeto de lei aprovado recentemente pela Câmara de Vereadores, que obriga a instalação dessas estruturas em espaços públicos e privados com grande fluxo de pessoas, como parques, shoppings, mercados, cinemas, restaurantes, bares etc. O projeto se encontra com o prefeito Bruno Covas, que poderá sancioná-lo, vetá-lo ou vetá-lo parcialmente.
Transmitida pelo canal do Conselho no YouTube, a live teve as participações de Aurélio Nomura, vereador pelo PSDB que votou contra o projeto aprovado pela Câmara; Paulo Engler, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes de Uso Doméstico e de Uso Profissional (Abipla); e de Ubiracir Fernandes Lima Filho, Químico Industrial, especialista em Vigilância Sanitária e colaborador das comissões técnicas de Saneantes e de Química Farmacêutica do CRQ-IV. A mediação foi do Engenheiro Wagner Contrera Lopes, chefe do setor de Fiscalização do CRQ-IV e conselheiro suplente do Conselho Federal de Química (CFQ).
Baseados em documentos publicados pelo CRQ-IV, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e também pelo Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo, os participantes foram unânimes em reafirmar que não há comprovação científica quanto à eficácia desses túneis na eliminação de microrganismos, como o novo coronavírus. Além disso, voltaram a advertir que a pulverização sobre pessoas de produtos químicos não desenvolvidos para tal fim tem potencial para afetar o trato respiratório e até causar cegueira.
Ubiracir Fernandes Lima Filho lembrou que os mecanismos de ação das biguanidas, substâncias encontradas em produtos saneantes, cosméticos e medicamentos, são bem conhecidos e eficazes. O problema está no seu uso indiscriminado e nos métodos de aplicação não previstos nos testes toxicológicos. A aplicação na pele, que pode alcançar as mucosas e o trato respiratório pela inalação, vai gerar uma reação química e desencadear efeitos adversos, disse. Lima Filho citou como exemplo um certo detergente capaz de eliminar o novo coronavírus: “Ele resolve? Resolve! Então, vamos ingerir?”. O profissional disse que até mesmo o uso indiscriminado do álcool gel vem causando problemas de toxicidade principalmente em crianças, muito provavelmente porque, em algumas situações, não foram observadas as Boas Práticas de Fabricação específicas para a versão do produto destinada à aplicação sobre a pele.
Apesar de o PL dos túneis ter sido aprovado com facilidade na Câmara – já que boa parte dos vereadores viu nele uma oportunidade de ter seu nome associado a um tema que, em tese, traria benefícios para os cidadãos – o vereador Aurélio Nomura acredita que o prefeito não o sancionará. Antes de chegar às mãos de Covas, lembrou, o texto será avaliado pelos técnicos da Secretaria da Saúde. Nomura disse ter certeza de que a secretaria já deve ter juntado os documentos elaborados pelo CRQ-IV, Abipla e Anvisa e, com base neles, será “praticamente improvável que o secretário Edson Aparecido não veja nada de errado diante da farta documentação contrária”, afirmou. Além de serem ineficazes, os túneis podem ser danosos à saúde da população, por isso a pasta não deverá recomendar a instalação dessas estruturas, completou o vereador.
Wagner Lopes disse que tanto o CRQ-IV quanto o CFQ enviaram ofícios ao prefeito pedindo o veto ao projeto. Ele também lembrou que São Paulo serve de vitrine para País e que, por isso, Bruno Covas tem em mãos a oportunidade de evitar que uma medida sem fundamento científico e que pode colocar em risco a saúde das pessoas ganhe força e se espalhe para outras cidades.
Ao relatar notícias sobre a instalação desses túneis em cidades da Colômbia e do Peru, Paulo Engler, da Abipla, comentou que “há um grande negócio por trás desse assunto”. O executivo disse que a Abipla defende que as orientações da Organização Mundial da Saúde para evitar a propagação do novo coronavírus sejam seguidas, mas sem que se recorram a mágicas [como os túneis], afirmou.
O perigo de que a implantação de túneis de sanitização se torne obrigatória em todo o País já é uma realidade. No dia 12 deste mês, o senador Nelsinho Trad (PSD/MS) apresentou um projeto obrigando a instalação desses dispositivos nas entradas de espaços com potencial de grande aglomeração de pessoas. O objetivo seria o mesmo: pulverizar produtos químicos sobre as pessoas para, supostamente, eliminar a carga viral que elas teriam em seu corpo e roupas. Os participantes da live disseram que iniciarão desde já uma mobilização nacional contra o projeto.