O rutênio é um elemento químico pertencente ao grupo 8 (grupo do ferro) na Tabela Periódica (Figura 1). Ele possui número atômico 44 e massa atômica igual a 101,07. O rutênio recebeu esse nome em virtude do local onde ocorreu a sua descoberta, a Rússia (ruthenium, do latim medieval para Rússia).
A descoberta desse metal foi relatada três vezes na História1, sendo a primeira em 1804, pelo químico francês Antoine François de Fourcroy e seu aluno Louis Nicolas Vauquelin. Ambos estudaram processos químicos em soluções de resíduos de minérios de platina, que, quando tratados com zinco, se tornavam azuis. Erroneamente este fenômeno foi atribuído à presença de irídio, embora tenha sido o rutênio, ainda não descoberto, o causador da mudança de coloração1.
Duas décadas mais tarde, em 1827, Gottfried Wilhelm Osann publicou uma série de artigos nos quais era anunciada a descoberta de novos elementos químicos, sendo eles os elementos pluran, ruthen e polin, que anos mais tarde foram atribuídos ao óxido de rutênio com impurezas. Esses elementos também foram descritos como resultados das análises dos resíduos gerados durante o processo de extração da platina. Porém, algumas amostras também foram estudas pelo renomado químico Jöns Jacob Berzelius que não conseguiu observá-los e, portanto, não os confirmou1.
Por fim, duas décadas mais tarde, em 1844, ainda estudando os resíduos do processo de extração da platina, Carl Ernst Claus observou a presença de um novo elemento químico. Nesse caso, a amostra foi representativa o suficiente para que o elemento fosse catalogado e chamado de ruthenium (rutênio, em português), uma referência clara ao nome dado por Osann décadas antes e também à região de extração do mineral1.
Anos mais tarde, diversas aplicações foram surgindo para compostos de rutênio, sendo algumas das mais importantes na área biológica, como marcadores biológicos[i] e como agentes antitumorais1 além de aplicações no tratamento de outras doenças, como a malária[ii]. Dentre esses trabalhos pode-se destacar o estudo realizado por Ping Liu e colaboradores3, no qual os complexos de rutênio sintetizados com ligantes derivados da bipiridina foram utilizados como marcadores genéticos luminescentes para o DNA2.
Atualmente, o uso desses complexos de rutênio sofre certa resistência, uma vez que o custo do metal é elevado, em decorrência do difícil processo de extração, como mostrado na Figura 2.
Inicialmente, o resíduo gerado pelo processo de extração do minério deve ser tratado com água régia, que é uma mistura extremamente corrosiva, pois contém uma parte de ácido nítrico (HNO3) e de três a quatro partes de ácido clorídrico (HCl). A água régia é utilizada para solubilizar platina, paládio, ródio, ouro e prata. Em seguida, a parte insolúvel passa por um processo de fusão com hidrogenosulfato de sódio (NaHSO4). Parte do produto de fusão é solubilizada em água. A porção insolúvel contém óxido de irídio e a porção solúvel os metais rutênio e ósmio. Tratando-se a porção solúvel (que contém [RuO4]2- e [OsO4(OH)2]2-) com gás cloro (Cl2) e aquecimento, ocorrerá a formação de tetraóxidos dos dois metais e também de alguns compostos voláteis. Durante esse tratamento, o OsO4 rapidamente se decompõe e forma ósmio metálico. Por fim, o tetraóxido de rutênio é tratado com ácido clorídrico (HCl), cloreto de amônio (NH4Cl) e hidrogênio gasoso (H2) para isolar o Ru na forma metálica. A partir do processo acima descrito e esquematizado na Figura 2, pode-se entender o porquê desses metais apresentarem valores de mercado tão elevados, pois o processo de extração e purificação deles é muito trabalhoso e demanda muitas etapas consecutivas3.
Outras aplicações de compostos de rutênio que podem ser citadas são: usos na indústria joalheira, como agentes escurecedores de joias; na indústria de fundição, para o fortalecimento de ligas metálicas através de processos de dopagem dos materiais; em ligas supercondutoras para se estudar o fenômeno de levitação quântica, responsável pela levitação de trens super-rápidos (como os do Japão), além do uso em condutores elétricos da indústria computacional e de comunicações[iii].
O número de trabalhos publicados sobre compostos de rutênio utilizados em tratamento de doenças vem aumentando nas últimas décadas, em decorrência da necessidade de substituição dos compostos atuais. Essa necessidade se faz, pois os medicamentos atuais já não apresentam os mesmos resultados de décadas atrás, como é o caso da cis-platina para o tratamento de câncer. Dados da plataforma Scopus[iv] (gráfico na Figura 3, na qual a busca foi especificada por ruthenium, treatment e disease, retornando 812 resultados a partir de aproximadamente 75.000 resultados iniciais para ruthenium) indicam que mais de 60% dos artigos em circulação foram publicados a partir do século XXI, comprovando que o meio acadêmico teve recentemente a sua atenção voltada para o metal em questão e também para a busca por novos compostos contendo rutênio principalmente para tratamento de doenças.
Figura 3. Crescimento do número de publicações usando ruthenium, treatment e disease como filtros de busca.
(Fonte: Base de procura de artigos Scopus)
Rodolpho Alessandro Nesta Silva
Pós-graduando em Química pelo IQ/UNESP – Araraquara E-mail: ronesta13.rn@gmail.com
Prof. Dr. Antônio Carlos Massabni
Prof. Titular Aposentado do IQ/UNESP – Araraquara
E-mail: amassabni@uol.com.br
Referências
1. LIU, P., LIU, J., ZHANGA, Y.-Q., WU, B.-Y., WANG, K.-Z. Synthesis, DNA binding and photocleavage, and cellular uptake of an alkyl chain-linked dinuclear ruthenium(II) complex. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, 2015, Vol. 143. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jphotobiol.2015.01.004>. Acesso em: 12/07/2019.
2. Martínez, A., Rajapakse, C. S., Jalloh, D., Dautriche, C., Sánchez-Delgado, R. A. The antimalarial activity of Ru–chloroquine complexes against resistant Plasmodium falciparum is related to lipophilicity, basicity, and heme aggregation inhibition ability near water/n-octanol interface. J. Biol. Inorg. Chem., 2009, Vol. 14. Disponível em: <https://doi.org/10.1007/s00775-009-0498-4>.